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Unidade nacional e eleições na Argentina

 “Em 10 de dezembro, vou convocar um governo de unidade nacional. (…) O desafio que temos é construir políticas de estado. E a convivência democrática e o desenvolvimento de uma nova agenda deve ser um compromisso de toda a liderança da Argentina”. Sergio Massa, 1 de outubro de 2023.

A maioria dos sistemas políticos prevê diversas fórmulas para enfrentar circunstâncias excepcionais: estados de alarme, de emergência, de guerra, de exceção. Todas essas ferramentas coincidem em um ponto: a concentração do Poder Executivo. Ou seja, trata-se de potencializar a capacidade do Executivo de tomar decisões rápidas e colocá-las em prática, evitando a dispersão de energia política que geralmente vem com confrontos partidários, impasses e debates parlamentares intermináveis.

Parece escandaloso? Talvez: é o mesmo que dizer que os próprios fundamentos da democracia são um desperdício de energia política. Há três pontos a serem destacados aqui. O primeiro é que a democracia não é um sistema perfeito. Tem suas desvantagens. Por outro lado, isso não diminui o fato de que oferece mais benefícios do que qualquer outro sistema que conhecemos.

Segundo esclarecimento, à luz do anterior: na realidade, não vivemos em democracias puras, mas em sistemas mistos. Mas isso requer explicações que excedem o espaço disponível, que podem ser encontradas nas Histórias de Políbio.

O terceiro esclarecimento é que a necessidade de concentrar o poder em momentos críticos não é uma descoberta do século XXI: a República romana tinha a figura do ditador, que condensava o poder por um tempo limitado e com faculdades limitados (igual ao nosso estado de exceção) para enfrentar tempos tempestuosos. Nem naquela época nem agora se trata de colocar todo o poder nas mãos de um déspota: o ditador romano e o atual chefe de governo em um estado de emergência estão abaixo da lei.

Governo de unidade nacional

O governo de unidade nacional pertence a uma categoria diferente dos mecanismos anteriores, mas está fortemente vinculado a eles, pois compartilha seu objetivo: evitar a dispersão da energia executiva em confrontos políticos; fortalecer o Executivo, dando-lhe o apoio de várias – talvez todas – as forças políticas para enfrentar uma circunstância crítica. Temos um exemplo cristalino e recente: Israel, cuja política estava extremamente polarizada há mais de um ano pelo projeto de reforma judicial, formou rapidamente um governo de unidade nacional para enfrentar a crise derivada do grande ataque terrorista perpetrado pelo Hamas em 7 de outubro.

Um governo de unidade nacional também é a resposta de Sergio Massa à situação crítica na Argentina. Daí uma primeira observação: considerar que a Argentina atravessa uma circunstância excepcional, e não por uma crise estrutural e permanente, parece ser uma falha considerável de diagnóstico. Isso, que pode parecer superficial, tem consequências notáveis, que serão vistas na terceira observação. Ainda assim, por que não convocar um governo de unidade nacional para enfrentar essa crise?

A pergunta nos leva à segunda observação: um governo de unidade nacional não é um governo que coopta figuras individuais de outros partidos. É um governo que reúne esses partidos por completo, para evitar as dinâmicas governo-oposição de tempos comuns, que impediriam o Executivo de atuar com todo o vigor que as circunstâncias exigem. Em outras palavras: ter alguns líderes individuais de partidos de oposição no governo não impedirá que os partidos aos quais eles pertencem (ou pertenciam) dificultem o trabalho do governo.

Terceira observação: um governo de unidade nacional não é um governo de coalizão. A diferença é o compromisso dos participantes, a rigidez de se unir. Em uma situação excepcional, as forças políticas agrupadas em um governo de unidade nacional entendem que o próprio país está em jogo e que não há margem para politicagem, traição ou qualquer outra condição. Todos concordam. Os jogos de poder são deixados para outro momento. Por outro lado, um governo de coalizão pode se romper, pode estar sujeito a tensões entre seus membros, pode… você se lembra, leitor, de Cristina e Cobos? É por isso que é importante diferenciar tempos normais de tempos excepcionais.

Quarta observação: ter membros de outros partidos no Executivo, mesmo que seja com o apoio orgânico dessas formações, não garante a unidade nacional. Voltemos ao exemplo de Cristina e Cobos. Aí reside o problema fundamental da proposta de Massa: seu êxito depende de forças políticas do outro lado da divisão. Basta ouvir as declarações de Milei após o primeiro turno: “Estou disposto a fazer uma tabula rasa, embaralhar e dar de novo, com o objetivo de acabar com o kirchnerismo”. Diz o ditado que se um não quer, dois não brigam. Mas também não se reconciliam se um não quiser.

Quinta observação, e sem dúvida a mais importante: Massa tem razão. A Argentina precisa urgentemente de políticas de Estado. Precisamos delas há quarenta anos. Mas políticas de Estado significam exatamente o oposto do que ele propõe: são políticas pactuadas com a oposição, não com o próprio governo, independentemente de ele incorporar algumas figuras de outros partidos.

Em todo caso, o que interessa é fazer uma leitura de longo prazo. Uma forma é comparar a proposta de Massa com as palavras de Milei. E o que essa leitura revela são as feridas abertas por 20 anos de populismo. É o preço que qualquer presidente terá de pagar. Mas, mais claramente do que qualquer um, Massa o enfrentará se tentar formar algo parecido com um governo de unidade nacional. O que o kirchnerismo dividiu por duas décadas, infelizmente não será resolvida em poucos segundos em uma declaração contundente, mas melosa, como a feita pelo candidato peronista após o primeiro turno: “A divisão morreu”. No mesmo momento, Milei vociferava que acabaria com o kirchnerismo.

Observação final: um governo de unidade nacional não é repartir ministérios. Não é governar com todos: é governar para todos.

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Politólogo y Doctor en Ciencia Política por la Universidad de Salamanca. Especializado en la sucesión del poder y la vicepresidencia en América Latina.

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