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Uvalde, Buffalo e o delírio estadunidense das armas

O último assassinato em massa nos Estados Unidos em uma escola em Uvalde, cidade do Texas, um dos estados mais conservadores e pró-arma, causou 21 mortes – a maioria, crianças – e ocorreu apenas 11 dias depois do massacre anterior em Buffalo. Como em todo massacre, o sistema político estadunidense se divide entre o silêncio e as manifestações de rechaço após atravessar, pela enésima vez, uma linha vermelha imaginária. Mas enquanto o debate, como sempre, não passa do debate, as Bolsas, como sempre, reagem de imediato e as ações dos principais fabricantes de armas estadunidenses, que vivem da morte, dispararam: Smith & Wesson Brands subiu 9%; Vista Outdoor, 6,7%, e Sturm, Ruger & Company, 3,5%.

Enquanto os fabricantes de armas, agrupados na Associação Nacional do Rifle, e os beneficiários de sua corrupção – também chamada de lobby – enriquecem, o debate se desenrola – em frente às câmeras – entre os direitos individuais estabelecidos pela Segunda Emenda da Constituição para o uso de armas, e as afetações coletivas.

Uma das desculpas favoritas dos defensores da “liberdade” muitas vezes recai sobre o fato de que a maior parte dos assassinos que cometem os massacres nos Estados Unidos tem problemas de saúde mental. Com isto, a arma não é o problema central, mas sim o que existe, que é um suposto mau uso delas, ignorando por completo o acesso absurdo a quase qualquer tipo de arma.

O massacre de Uvalde é um novo caso em que os principais atores são jovens que, devido ao acesso irrestrito e “constitucional” a partir dos 18 anos a armas semiautomáticas, entre elas a do tipo Rifle R15, dispõem de todos os aparelhos para reproduzir cenas com as quais estamos cada vez mais familiarizados. Este ano, segundo a ONG Gun Violence Archive, houve 213 tiroteios nos Estados Unidos.

Este apego ridículo à Constituição permite que um adolescente possa se armar até os dentes em qualquer loja da esquina, mas um menor de 21 anos não possa nem beber uma cerveja.

Texas é um dos estados com maior acesso à compra de armas; de fato, não requer uma permissão especial, já que foram revogadas pelo atual governador Greg Abbott. Entretanto, esse fato dificilmente gerará um consenso acerca de estabelecer um maior controle de armas, inclusive as de assalto, apesar das evidências indicarem que quanto mais regulamentada a compra, menos mortes nos Estados.

O debate, de fato, se manterá em torno da Segunda Emenda à Constituição e do argumento insólito de que para reduzir os assassinatos, deve-se armar os professores nas escolas, como afirmou o Procurador Geral do Texas, Ken Paxton, após o massacre. Este é o argumento absurdo no qual a Associação Nacional de Espingardas se agarra e que certamente trará à tona em sua próxima Convenção Anual que será realizada na cidade de Houston, Texas, em 27 de maio, na qual participará o ex-presidente Donald Trump. 

A Associação Nacional do Rifle estadunidense tem apoiado as campanhas políticas de candidatos, tanto republicanos quanto democratas, especialmente em comunidades onde o uso de armas é uma questão cultural e faz parte da vida cotidiana. Assim, a última proposta de controle de armas, levada adiante pelo governo do presidente Barack Obama, estava à beira de avançar, mas acabou fracassando porque os legisladores democratas acabaram apoiando suas comunidades em favor do uso de armas.

Dados os novos massacres do mês passado, vale recordar, mais uma vez, que seria muito desejável que o Congresso estadunidense avançasse em uma legislação de maior controle de armas, o que requer o voto de 60 dos 100 senadores que compõem a câmara. Mas dado o contexto político e eleitoral que se avizinha, isto parece bastante difícil. Ademais, as posições conservadoras, como a rejeição ao aborto, estão se fortalecendo na sociedade estadunidense. Por isso, de momento parece que nos Estados Unidos os interesses econômicos e ideológicos dos grupos de pressão e de certos setores da população continuarão a ser priorizados antes da vida.

Autor

Profesor e investigador del Departamento de Estudios de Administración Pública de El Colegio de la Frontera Norte - COLEF (Tijuana, México). Doctor en Ciencia Política y Sociología por el Instituto Universitario Ortega y Gasset (España).

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