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A implosão do “Governo interino” na Venezuela

Quase quatro anos após aquela proclamação popular na qual o deputado Juan Guaidó foi juramentado em prefeitura aberta como presidente encarregado da Venezuela (em desrespeito à legalidade da eleição presidencial de 2016), termina o chamado “Governo interino” da Venezuela com mais dor do que glória. Uma manobra política sem precedentes que buscou constituir-se em uma instância unitária que conduzisse à “cessação da usurpação, um governo de transição e eleições livres” que nunca chegaram. Daquelas expectativas renovadas de mudança política, contrasta a sensação de frustração, divisão e incerteza que permeia todos os segmentos da oposição venezuelana.

Nos últimos dias de dezembro de 2022, em meio a extensas e acaloradas deliberações parlamentares, o destino imediato do interino foi selado. Duas facções da Assembleia Nacional, em exercício desde 2015, apresentaram propostas divergentes de reforma ao estatuto que rege a “transição para a democracia”, que está em vigência desde janeiro de 2019 e que, entre outras pautas de funcionamento, estipula uma duração de quatro anos para o interino. Ou seja, até 5 de janeiro de 2023.

A proposta que obteve a maioria dos votos (63%) foi a dos partidos de oposição Acción Democrática, Un Nuevo Tiempo, Primero Justicia e Movimiento por Venezuela. Esta proposta solicita a finalização do Governo interino encabeçado por Juan Guaidó. Os debates, por sua vez, colocaram em evidência a desconfiança mútua, a fragmentação e a profunda descoordenação interna de um Governo interino, que, para 2019 e 2020, conseguiu reunir o capital político nacional e internacional mais importante que a oposição conseguiu na história recente.

Juan Guaidó e seu partido Voluntad Popular buscaram a extensão do mandato do Governo interino e, por consequência, o de sua “presidência” por mais um ano. Entretanto, os questionamentos ao seu desempenho político não vieram só do chavismo, mas também da própria oposição. Trata-se de críticas que vão desde sua capacidade precária de gerar consenso e desordem administrativa, até a opacidade e corrupção no manejo dos ativos venezuelanos apreendidos no exterior.

Entretanto, o principal motivo da perda de apoio é a incapacidade demonstrada pelo Governo interino de se tornar o principal instrumento de coesão e preservação da “unidade democrática” que as forças políticas que resistem à ditadura de Nicolás Maduro demandam há anos.

As mudanças de contexto político de 2019 a 2022

A pouca disposição para prestar contas, a incapacidade de fomentar acordos inclusivos e uma condução estratégica errática das formas de resistência à ditadura minaram, ao longo dos anos, a legitimidade do governo interino. A isto se somou o fator agravante de um contexto global e regional em mudança, radicalmente oposto ao que existia em janeiro de 2019.

À falta de atenção à persistente e complexa “crise humanitária” agravada pelos efeitos da pandemia da COVID-19 e do esvaziamento demográfico do país, somou-se um contexto global também marcado por uma crise energética, devido à invasão da Ucrânia, uma economia mundial faminta de petróleo.

Ademais, o novo giro à esquerda em grande parte da região significou que a Venezuela deixou de ocupar as prioridades diplomáticas do hemisfério. Isto impactou nos apoios internacionais ao próprio governo interino, o que contrasta com o reconhecimento diplomático recebido em 2019 por mais de sessenta países, bem como por organizações internacionais como a OEA e até mesmo as Nações Unidas.

Entretanto, apesar de todas essas adversidades, é justo reconhecer que o Governo interino alcançou importantes conquistas na visibilidade internacional da natureza ditatorial do governo de Maduro, no congelamento internacional de ativos, como resultado da corrupção, bem como o apoio de seus embaixadores na promoção de alívios documentais e na atenção humanitária à migração forçada de venezuelanos.

Também destaca-se a articulação de várias delegações que promoveram várias rodadas de negociações com o chavismo, com destaque aos recentes encontros no México, que levaram à criação de um “acordo de proteção social” que poderia canalizar ajudas humanitárias ao país com a gestão das Nações Unidas e a mediação da comunidade internacional. Essas conquistas permanecem incertas para o ano de 2023, quando termina a existência do governo interino.

Em suma,  com a virada do ano, o país enfrenta um novo cenário de incerteza, circunstâncias totalmente evitáveis, em especial, dado como o governo interino termina sem ter conseguido unir a unidade política e determinar candidaturas às eleições que o chavismo poderia trazer novamente para 2023. Mais ainda, no conhecimento da implosão do governo interino e dado o ambiente de acusações cruzadas que prevalece hoje nas oposições venezuelanas.

Entretanto, continua a emergência humanitária, a desvalorização do bolívar e a estagnação econômica que assombra os mais humildes e impulsiona a saída em massa de venezuelanos que se veem forçados a emigrar em busca de um lugar no mundo onde possam prosperar.

Autor

Politólogo egresado de la Univ. Central de Venezuela y la Universidad Autónoma de Barcelona. Master en Estudios Latinoamericanos, Universidad de Salamanca. Analista de asuntos parlamentarios.

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