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Venezuela e as eleições parlamentares









A última instância democraticamente eleita da Venezuela foi condenada à morte com as recentes eleições parlamentares. Estas eleições, definidas a partir do palácio Miraflores, marcam o fim de uma série de ataques ininterruptos contra a maior vitória política que a oposição registrou em duas décadas. Tem sido um assédio agressivo de todos os lados que durou toda a legislatura: perseguições e encarceramento de deputados, ataques armados às sessões plenárias, cortes no orçamento, bloqueio de todos os poderes constitucionais e até mesmo o sequestro de poderes parlamentares para a nomeação da autoridade eleitoral. Esta é a maior mobilização autoritária – de longe – contra um parlamento em exercício durante as últimas décadas na América Latina.

Isto ocorre à medida que avança a violação maciça aos direitos humanos, a destruição do tecido produtivo e o crescente progresso do isolamento internacional do país. Uma ação governamental na qual a integridade eleitoral, os direitos civis, os serviços públicos ou a segurança alimentar dos cidadãos pareceram pouco preocupar diante de sua aspiração de controle total do Estado.

Diante desse contexto e frente à versão mais agressiva do chavismo, a convocação de eleições para a Assembleia Nacional foi uma oportunidade para pôr um fim à esfera institucional na qual a oposição havia conseguido seus avanços políticos mais importantes. Apesar do assédio, desde de janeiro de 2019, e graças principalmente à legitimidade eleitoral de 2015, a oposição pôde ter um impacto considerável a nível nacional e internacional. Entretanto, o crescente abstencionismo que se desenvolveu desde 2017 terminou favorecendo a deriva autoritária e o desmantelamento das instituições.

Eleição sem eleitores ou ganhadores

Uma vez contados os poucos votos válidos, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou os resultados na madrugada do dia 7 de dezembro. Apesar da credibilidade precária, os dados mostram uma queda inegável na participação de 74% em 2015 para 30,5% hoje. Uma redução aproximada de 44% do eleitorado, metade dos eleitores na última eleição. Isto é mais do que a redução de 31% no comparecimento dos eleitores que ocorreu depois que a oposição se retirou das eleições parlamentares de 2005.

Desta forma, o oficialismo, sem nenhum barulho ou celebração, retoma a maioria do parlamento, não para avançar sua agenda política, mas basicamente para que não se faça mais oposição a partir daquela plataforma. Um espaço a menos para ser silenciado. Após o tratamento arbitrário da Assembleia Nacional Constituinte de 2017, fica claro que a liderança política do chavismo não exige órgãos deliberativos, mas sim tribunais populares de punição e escárnio público. Mesmo assim, o fato de três em cada dez venezuelanos terem votado, e de dois deles terem sido provavelmente forçados a fazê-lo devido ao seu status de funcionários públicos, não convida a grandes celebrações.

Mais uma vez, o governo de Maduro deixa clara a super-representação antidemocrática da maioria no processo eleitoral de 2020, consolidando 93% das cadeiras com 60% dos poucos votos válidos registrados pela CNE. A mesma manipulação eleitoral que fez nas eleições de 2010. Assim, até 2021, a Venezuela terá um arco parlamentar unicolor, semelhante ao de 2005, e apenas comparável à Assembleia do Poder Popular de Cuba, à Assembleia Nacional da Nicarágua, ao Conselho Supremo do Quirguistão ou à Duma do Estado Russo.

Pronunciamentos internacionais

Com o passar dos dias, expressões de rejeição surgiram nas principais democracias do mundo. Um grupo de atores certamente minoritário, mas influente, no concerto das nações, que além de reconhecer a ilegitimidade destas eleições, ainda não tem uma abordagem clara da crise venezuelana. Por enquanto, eles mantêm seu apoio a Juan Guaidó, mas não se sabe qual será a gestão diplomática ou a agenda mínima de coordenação internacional diante da maior onda migratória que a região já conheceu.

Na primeira semana após as eleições, a União Europeia, os Estados Unidos, o Canadá e uma grande parte da América Espanhola, com exceção de Argentina, México e Bolívia, já haviam feito suas declarações, ignorando as eleições. Por outro lado, do lado dos apoiadores, há os esperados endossos de Cuba e da Rússia, governos que não se caracterizam precisamente pela pluralidade de seus parlamentos ou pela transparência eleitoral.

O apoio de mais de 40 democracias à oposição, entretanto, será de pouca utilidade se não houver uma renovação estratégica que ofereça alternativas além da abstenção, pois assimetria e vantagem eleitoral são de se esperar em uma ditadura. É necessário um repensar que promova uma maior coordenação com a diáspora e os governos americanos e um redesenho das formas de ativismo político comunitário dentro do país, considerando o risco crescente de fazer política, levando também em conta as áreas rurais e urbanas onde o estado se destaca por sua ausência. Esta situação representa um dilema para o Governo Interino, pois com o passar do tempo, a continuidade e a sustentabilidade do apoio estrangeiro se encontra seriamente ameaçada.

A oposição, por sua vez, consulta

Quanto à oposição, ela lançou a Consulta Popular. Este é um mecanismo que procura reunir a vontade dos cidadãos sobre a permanência de Nicolas Maduro na presidência, a realização de eleições presidenciais e parlamentares livres e o pedido à comunidade internacional para colaborar com a causa democrática. A própria formulação das perguntas, entretanto, denota falta de ideias e imprecisão nos cursos de ação a serem tomados. Uma declaração de intenções, com três perguntas, sem efeito político imediato ou tangível.

Além do debate sobre participação e abstenção, o que a oposição busca com a consulta é renovar parte da legitimidade perdida, bem como justificar de alguma forma a possibilidade de estender a continuidade de seu mandato, após 5 de janeiro de 2021 (data em que termina constitucionalmente a legislatura). Este é um importante desafio político para a continuidade política do Governo Interino da Venezuela liderado por Juan Guidó, que, embora ainda se considere o presidente encarregado, deve sua legitimidade à sua condição de presidente da Assembleia Nacional e à sua origem eleitoral precedente.

Em resumo, estas eleições legislativas fraudulentas na Venezuela agravam ainda mais o colapso e afastam o país de uma transição democrática com a supressão da pluralidade do parlamento e do valor político do voto como instrumento de transformação social. Desta forma, o caminho eleitoral é esvaziado de qualquer conteúdo coletivo, perturbando o diálogo de uma sociedade que foi dizimada, exilada e reprimida. Em 2021, a Venezuela terá um parlamento que desconhece o sofrimento humanitário do país, sem nenhuma resposta ou dissidência. Terá mais cadeiras, mas representará 7,5 milhões a menos de eleitores, muitos deles caminhando pelo mundo em busca de melhores oportunidades.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de huguito em Foter.com / CC BY-NC-SA

Autor

Politólogo egresado de la Univ. Central de Venezuela y la Universidad Autónoma de Barcelona. Master en Estudios Latinoamericanos, Universidad de Salamanca. Analista de asuntos parlamentarios.

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