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A excepcionalidade normalizada

Os padrões de conduta política permitem estabelecer ciclos e, ao mesmo tempo, apontar para constantes ou rupturas. No caso da América Latina, apesar de ser uma região mais heterogênea do que geralmente é considerada, seus padrões de comportamento não são uma exceção. A partir da segunda metade da década de 1970, distintas análises começaram a categorizar os ciclos políticos nos quais uma boa parte dos países se integravam. Termos como transição, consolidação, governabilidade, neoliberalismo e giro à esquerda serviram de guia para entender o que estava acontecendo. O contexto era variado e nele o caminho democrático, com suas variedades, sucessos e fracassos, tornou-se a nota dominante. A situação atual, após as recentes eleições colombianas e as previsões sobre o resultado das eleições brasileiras em outubro, nos permitem perguntar, como foi apontado há 15 anos atrás, qual o significado dessas mudanças e como elas afetam um cenário dominado por governos progressistas.

Para ir mais longe, se há quase meio século se deram singularidades como as da Colômbia, Costa Rica ou Venezuela, onde a visão transitória era inadequada para entender estes regimes políticos cuja evolução desde o autoritarismo havia ocorrido duas décadas antes, a passagem do tempo não só diluiu essa excepcionalidade, mas levou a caminhos muito diferentes.

Enquanto a Venezuela retrocedeu ao paroxismo autoritário, a Costa Rica foi a quintessência do continuísmo e inclusive se assimilou à tendência regional de democracias cansadas à medida que seus históricos partidos políticos entraram em um estado de grave deterioração. Por sua vez, a Colômbia, o caso mais desviante da média regional, rompeu sua trajetória diferenciadora, marcada por um persistente conflito armado e pela continuidade das elites políticas tradicionais, para ser assimilada às tendências latino-americanas.

O que aconteceu na Colômbia, o terceiro maior país da América Latina em termos demográficos, seria a evidência de que uma certa normalidade – dentro do turbilhão causado pelas consequências da crise global – está se espalhando por toda a região. Suas eleições presidenciais do último 19 de junho, que foram organizadas de forma confiável pelo Escritório do Registros, são mais do que apenas o país se integrando ao tão publicitado triunfo da esquerda. De fato, podem ser encontradas semelhanças em outros países da América Latina.

Assim, o presidente eleito concorria a sua terceira candidatura presidencial consecutiva, como já havia acontecido com Lula da Silva e Andrés Manuel López Obrador. O segundo turno, que contou com dois candidatos alheios à classe política tradicional estabelecida ao longo de toda a história republicana, homologava o cenário a situações similares em países vizinhos.

Da mesma forma, o fato de que a campanha eleitoral foi exaustiva, com um desenvolvimento muito longo que incluiu consultas intrapartidárias irrelevantes, coincide com o que aconteceu na Argentina com as PASO, embora na Colômbia tenha havido a circunstância adicional de que 15 forças políticas integradas em três coalizões só conseguiram colocar um candidato no segundo turno, que, por outro lado, não teria precisado do veredicto das urnas para ser assim devido a sua liderança indiscutível.

Outro fator recorrente foi o protagonismo das redes sociais na disputa eleitoral, projetado com primor por profissionais de comunicação política que saltam de país para país. A tentativa de encobrir a impunidade demonstrada por um dos candidatos, ao não participar de nenhum debate presencial, foi assimilada à moda atual em todos os lugares, como não poderia ser de outra forma. Mas Andrés Manuel López Obrador já não participou do debate entre os candidatos nas eleições de 2006, e as redes não existiam na época. O ativismo louvável da justiça colombiana, exortando o candidato relutante a assistir ao último debate, foi em vão. No entanto, é possível que as urnas tenham cobrado sua desídia, algo que constitui uma normalidade democrática.

Cabe acrescentar que a Colômbia rompeu o teto que tinha de participação eleitoral em eleições competitivas, aproximando-se da média latino-americana. Tendo em conta que o voto não é obrigatório e que foi difícil para o país mobilizar mais da metade da população registrada, a participação de 58% aponta para um comportamento político mais maduro.

Se a violência resultante do conflito armado foi um dos fatores por trás da abstenção, parece óbvio que as sequelas dos Acordos de Paz celebrados há seis anos desempenharam um papel. Neste sentido, e como um legado simbólico, o fato de o candidato vencedor ter incluído em seu currículo ter sido guerrilheiro, normalizava uma situação que já havia ocorrido em outros países latino-americanos como o Brasil (Dilma Rousseff), El Salvador (Salvador Sánchez Cerén), Uruguai (José Mujica) e, dramaticamente, Nicarágua (Daniel Ortega). Esta é a evidência da impressão de um fenômeno que assolou a América Latina há mais de 30 anos.

Finalmente, o presidencialismo e sua vinculação com sua vertente caudilhista implica em duas circunstâncias habituais que enquadram um cenário político que fará sentido quando, dentro de um mês, o novo presidente assumir o poder. A fragmentação será a nota dominante em ambas as câmaras legislativas, à qual será acrescentada a escassa quota que o Pacto Histórico mantém.

A gestação de maiorias que apoiem o trabalho do presidente, juntamente com a configuração de um gabinete com sensibilidades pluralistas e membros de procedência muito diversa, será um teste para o novo governo. Além disso, a ausência de uma liderança de oposição clara será um fator desorientador que é habitual nos regimes presidencialistas.

A sombra do ex-presidente Uribe, a presença do candidato derrotado Rodolfo Hernández, com o suposto apoio de dez milhões de eleitores mas sem bancada, ou a de Humberto de la Calle do Centro Esperanza ou David Luna do Cambio Radical, compõem o possível elenco de candidatos para exercer o controle opositor tão escasso, aliás, na região.

Neste cenário, além do relato do triunfo histórico de um candidato que, indiscutivelmente, representa uma esquerda que nunca antes havia alcançado o poder na Colômbia – uma anomalia em termos comparativos regionais – cabe destacar a nomeação de Francia Márquez, a primeira vice-presidente do país, uma mulher negra e líder ambiental do Cauca, como uma promessa de que a excepcionalidade conduza à normalização.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar. 

Autor

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Profesor Emérito de la Universidad de Salamanca y de la UPB (Medellín). Últimos libros publicados (2020): “El oficio de político” (2ª ed., Tecnos, Madrid) y coordinado con Mercedes García Montero y Asbel Bohigues (2024): “Elecciones en América Latina: de pandemia y de derrotas (2020-2023)”, (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid)

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