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A reeleição indefinida: sentenças que formaram autocracias

A reeleição é um assunto tabu para muitos países. Alguns o eliminaram de suas legislações, enquanto outros o fazem porque os mandatos presidenciais são curtos. Em outros casos, argumenta-se que o fato de não haver limites de temporalidade na presidência permite que se dê continuidade a um governo que produziu resultados. 

Entretanto, no século XXI, vários países da América Latina viram como a reeleição presidencial tem sido uma porta de entrada para manchar a democracia e, com isso, construir autocracias. Vale ressaltar que a reeleição dentro do marco constitucional e com um mandato finito não é perigosa por si só; cientistas políticos como Aníbal Pérez-Liñán argumentam que o fato de um executivo permanecer no poder por um segundo mandato é uma forma de recompensá-lo. 

Os modelos do presidencialismo norte-americano, argentino e brasileiro permitem a reeleição imediata para apenas um mandato. Dessa forma, os presidentes são mantidos no cargo para evitar a concentração de poder e o enraizamento no cargo. Cientistas políticos, como Andrew Ellis e Jesús Orozco Henríquez, consideram que o modelo de um segundo mandato contínuo ou de reeleição escalonada constitui uma barreira ao acúmulo de poder.

Em casos como o do Chile ou do Uruguai, que proíbem a reeleição imediata, é necessário aguardar uma legislatura antes de concorrer novamente ao Poder Executivo. Esse modelo permite que haja um período de transição e pluralismo para evitar que um instituto ou personagem consolide mais poder. 

A sedução pelo poder é um desejo latente dos políticos em diversas partes do mundo. No entanto, os limites constitucionais e de tempo são uma barreira para eles, como Adam Przeworski menciona em seu livro A democracia em crise. Mesmo assim, nas primeiras décadas do século XXI, alguns presidentes acumularam poder suficiente para pressionar os tribunais constitucionais e, assim, garantir sua reeleição por meio da remoção de barreiras legais. 

Nos últimos tempos, decisões judiciais argumentaram que a reeleição é uma forma de recompensar uma administração bem-sucedida, mas, mais recentemente, foi acrescentado o argumento de que se trata de um direito humano; portanto, limitá-la seria proibir os direitos dos atores políticos. 

A bibliografia a esse respeito e os principais tratados jurídicos, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) ou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), estabelecem apenas a liberdade de associação para homens e mulheres, mas não mencionam que a reeleição faz parte dessas garantias. De fato, os teóricos clássicos, como Rousseau, Locke e Bentham, mencionam a importância de limitar o poder político.

Até mesmo os teóricos mais conhecidos do direito, como Kelsen, Heller, Jellinek e Rawls, estabelecem os limites, o respeito pelas leis máximas e o arcabouço jurídico do Estado. O que se tem visto nos últimos tempos é uma maleabilidade do direito para favorecer uma pessoa, como aconteceu com os governantes da Venezuela, Nicarágua, Honduras, Equador, Bolívia e, recentemente, El Salvador, que se juntou a essa lista de países que defendem que a reeleição é um direito humano.

O primeiro país a implementá-la foi a Venezuela, em 2009, durante o terceiro mandato de Hugo Chávez, que reformou a Carta Magna sob o argumento de que a reeleição indefinida é um direito humano. Quando a Suprema Corte de Justiça analisou o caso, foi mencionado que a eliminação do controle de temporalidade não implicava uma mudança de regime ou forma de Estado, mas que se tratava de uma questão de ampliação dos direitos dos cidadãos. A decisão abriu a porta para o chavismo se firmar no poder e a democracia começou a se desgastar.

No mesmo ano, mas na Nicarágua, durante o primeiro mandato de Daniel Ortega no século XXI, a Câmara Constitucional da Suprema Corte abriu caminho para a reeleição indefinida com o mesmo argumento de que se tratava de um direito humano. Entretanto, ao contrário da Venezuela, Ortega já havia subjugado o Judiciário: graças a uma reforma, ele aumentou o número de magistrados da mais alta corte, que, por serem próximos a ele, declararam a constitucionalidade do projeto.

Como consequência, o orteguismo tem se mantido no poder de maneira ininterrupta desde 2006. Os freios e contrapesos foram eliminados e a Nicarágua se orienta para um modelo autocrático. Durante a segunda década deste século, mais três países se juntaram à reeleição indefinida. Em 2015, foi a vez da vizinha Honduras, quando a Câmara Constitucional aprovou que o então presidente, Juan Orlando Hernández, poderia concorrer a outro mandato. Lembremos que ele chegou ao poder por meio de um lawfare ou golpe de Estado brando contra o mandatário esquerdista Juan Manuel Zelaya. 

Também em 2015, no Equador, sob o terceiro mandato do presidente Rafael Correa, os legisladores da Alianza-País aprovaram uma emenda constitucional para introduzir a reeleição indefinida. Embora a decisão tenha ido parar no Tribunal Constitucional, este a validou, argumentando que era uma decisão que ampliava os direitos político-eleitorais dos cidadãos, pois se um presidente fizesse um bom governo, os eleitores o recompensariam. Foi em 2018 que a restrição de temporalidade foi reintroduzida na Constituição. 

Um ano depois, em 2016, na Bolívia, o partido Movimiento Al Socialismo (MAS) buscou um referendo para alterar a Carta Magna para incluir a reeleição indefinida. Entre 2017 e 2018, o Supremo Tribunal de Justiça adotou o artigo 23 da Carta Americana de Direitos Humanos para endossá-la. Com esse precedente, Evo Morales buscou um quarto mandato em 2019, o que levou a protestos que culminaram com sua renúncia e saída do país. 

Por último, em 2021, El Salvador entrou para essa lista. Em 5 de fevereiro de 2024, o mundo testemunhou a primeira reeleição de Nayib Bukele, apesar do fato de a Constituição salvadorenha proibir a reeleição imediata em pelo menos 9 artigos. O caminho salvadorenho foi semelhante ao nicaraguense. O partido Nuevas Ideas apresentou um projeto de lei na Assembleia Nacional para permitir a reeleição do presidente. Após sua aprovação, cinco magistrados da Suprema Corte renunciaram e Bukele nomeou perfis próximos a ele, de modo que o projeto de reeleição imediata foi aprovado, argumentando que era um direito humano. A única coisa que foi estabelecida foi que o executivo deveria deixar o cargo com 6 meses de antecedência.A reeleição indefinida

Como podemos ver, vários países usaram o argumento dos direitos humanos para abrir a porta para a reeleição indefinida. Os casos acima são caracterizados principalmente por líderes personalistas e autoritários; portanto, os freios e contrapesos do sistema democrático acabam sendo capturados ou corroídos.

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Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.

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