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As implicações econômicas para a América Latina do conflito na Ucrânia

O conflito no leste da Europa causou consequências diretas no dinamismo da economia global, e indiretas nas economias latino-americanas. Dependendo da magnitude e intensidade do conflito num futuro próximo, é possível propor cenários prospectivos e seus desdobramentos. Por enquanto, já se prevê um impacto negativo de um ponto percentual no produto mundial, segundo projeções de organizações internacionais. 

Antes do início das hostilidades, a economia mundial sofria as consequências da pandemia da COVID-19, devido à interrupção de numerosas atividades produtivas. Isto aconteceu apesar dos sucessivos pacotes de estímulo econômico de quase todos os países do mundo. 

Tais estímulos foram necessários tanto para manter alguma proteção social e sanitária como para reativar o aparelho produtivo em muitos países. Contudo, estes pacotes econômicos, que chegaram aos 9 trilhões de dólares (11% do produto mundial), acabaram também por gerar pressões inflacionistas significativas.

Desde a invasão russa à Ucrânia e da imposição imediata de sanções econômicas por parte de algumas potências ocidentais ao governo de Moscou e ao seu entorno de simpatizantes e colaboradores – incluindo o regime de Minsk – se constatou uma aceleração das pressões inflacionistas pré-existentes. 

O aumento dos preços foi bastante claro no caso dos bens exportados pela Rússia, Ucrânia e Bielorrússia para o mercado internacional, particularmente no setor energético (petróleo, gás natural, carvão), alimentar (milho, trigo), insumos (fertilizantes) e minerais estratégicos (néon, paládio, alumínio, titânio).

No campo logístico, para além do ataque à infraestrutura da Ucrânia (portos, estradas, pontes, centrais nucleares, fábricas, zonas residenciais), houve um aumento notável nos preços dos fretes e seguros para navios de carga no Mar Negro, bem como também obstáculos crescentes no transporte terrestre e aéreo entre a Europa Central e Oriental.

Estima-se que, no primeiro mês das operações militares, os custos econômicos para a Ucrânia tenham sido superiores a cem bilhões de dólares. Muitos recursos foram também atribuídos pelo governo de Moscou para financiar seu esforço bélico. Neste sentido, e sem esquecer do sofrimento humano, vale a pena perguntar: quem irá pagar por essa destruição maciça da economia da Ucrânia (reparações de guerra)? 

Da perspectiva dos estudos de segurança econômica internacional, sabe-se que as sanções impostas por certos governos ocidentais contra a economia russa começaram a gerar consequências como a pronunciada depreciação do rublo, a desconexão das redes digitais e do sistema de intermediação financeira, ou o aumento das taxas de juros básicas nesse país. Supõe-se que estas se tornem cada vez mais incisivas e custosas para o governo de Moscou. 

Seja como for, o governo russo, ainda que tenha reconhecido algumas implicações da “guerra econômica” de potências hostis, mantém operações militares contra o seu vizinho. Ao mesmo tempo, o governo de Kiev recebeu ajuda humanitária, econômica e militar de numerosos países a fim de manter em funcionamento seu aparelho produtivo e seu esforço bélico. Tudo isto gera implicações locais, bilaterais e globais a médio e longo prazo.

E nos países latinoamericanos?

O conflito no leste da Europa abre oportunidades, incentivos, riscos e ameaças. No início, devido à distância geográfica, a guerra não causou consequências vitais na América Latina. Contudo, a situação poderia mudar consideravelmente no caso de uma escalada das tensões e operações bélicas dentro e fora da Ucrânia, incluindo o uso de armamento não convencional ou a eventual incorporação de outros atores estatais e não estatais de segurança.

Em termos operacionais e pragmáticos, a retração das exportações ucranianas, russas e bielorrussas de certas matérias-primas e bens industrializados poderia mesmo criar oportunidades e demandas adicionais para as empresas exportadoras latino-americanas, principalmente no caso das chamadas economias emergentes (Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru). 

Por outro lado, uma recomposição da abatida indústria petrolífera venezuelana poderia ser considerada, especialmente se acompanhada de uma suspensão gradual das sanções estadunidenses e europeias, e de um esforço para a reconciliação e redemocratização do país. 

Portanto, as exportações latino-americanas poderiam substituir uma parte significativa da produção dos países beligerantes, principalmente no mercado dos Estados Unidos, na União Europeia e em certos países africanos e asiáticos.  

Contudo, as oportunidades comerciais deverão ser confrontadas com o acelerado processo de inflação global, turbulência, incertezas e encarecimento das importações. Vale reiterar que, no âmbito da recuperação econômica pós-pandêmica, o conflito militar pode atrasar ainda mais a retomada do crescimento e a transformação produtiva com equidade entre os países latino-americanos. Além disso, alguns analistas ponderam acerca das implicações de uma possível desglobalização, do ressurgimento de pressões protecionistas e do neo-populismo.

Apesar das visitas de Alberto Fernández (centro-esquerda) e Jair Bolsonaro (direita populista) a Vladimir Putin pouco antes do início da guerra, o mais provável é que os países da região como um todo procurem diversificar os seus parceiros externos. Além disso, muitos buscarão construir alguma forma de equilíbrio e equidistância no contexto da competição iminente entre potências mundiais, inclusive no tocante à governança econômica global. Isto inclui um esforço para evitar a internalização ou importação de conflitos extra-regionais na já delicada conjuntura pós-pandêmica de COVID-19. Aqui estão os contornos de um “novo normal”.

A evolução recente das negociações para encontrar uma solução pacífica sugerem algum progresso parcial e permitem mesmo um otimismo cauteloso. Naturalmente, quase toda a comunidade internacional e nossa região apoiam uma solução negociada para o conflito. Isto refletiu-se na votação da maioria dos países latino-americanos em duas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas para exigir o fim das hostilidades. 

Este posicionamento se fundamenta na identidade internacional, na experiência histórica da região – objeto de numerosas investidas comparáveis dos EUA e dos países europeus que na altura foram rotulados como imperialistas -, na cultura diplomática predominante, que se opõe às guerras expansionistas e ao uso da força na política internacional, e na maturidade e qualidade democrática de muitas das nossas sociedades. Dito isto, parece pertinente insistir na necessidade de construir uma ordem internacional de povos livres.

 *Tradução do espanhol por Giulia Gaspar. 

Autor

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Investigador-colaborador no Centro de Estudos Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História. Especializado em temas sobre qualidade da democracia, política internacional, direitos humanos, cidadania e violência.

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