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O trumpismo se desinfla após a eleição de meio mandato nos EUA

No sistema político americano, os cidadãos são convocados a eleger ou reeleger seus representantes ao Congresso a cada dois anos. De maneira simultânea, um terço dos senadores, cujo mandato é de 6 anos, é renovado. A essas eleições, se soma a eleição ou reeleição de uma proporção significativa de governadores e cargos dos governos estaduais. Elas são chamadas eleições de meio-termo porque ocorrem no meio do mandato do presidente.

Em geral, este grande evento político eleitoral torna-se um momento crítico para a presidência em curso, pois a tendência predominante é que o partido do presidente perca assentos na legislatura. Mas os resultados estão divergindo dessa tendência histórica, pois não houve uma vitória clara do Partido Republicano. É provável que os republicanos ganhem uma maioria no Congresso ou no Senado, mas não houve um tsunami vermelho, como esperavam os críticos mais fervorosos da atual administração democrata. É até possível que o Partido Democrata mantenha sua ligeira liderança no Senado.

Isto indicaria que as eleições foram muito mais competitivas do que o esperado nos distritos e estados pendulares e que os candidatos apoiados por Donald Trump não desempenharam com a contundência esperada. Pelo contrário, parece que os candidatos republicanos menos trumpianos tiveram melhor desempenho, levando alguns a concluir que o selo Trump se tornou mais um peso do que uma garantia.

Parece que alguns políticos agora se perguntam se é melhor não pôr panos frios em certas tendências do discurso político trumpiano e seus posicionamentos políticos. Nos referimos sobretudo à negação da legitimidade de origem do atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O trumpismo quis sustentar esta negação com argumentos infundados. Foi dito que o processo eleitoral que levou o democrata à presidência foi afetado por irregularidades e maquinações fraudulentas, qualificando os resultados das eleições de 2020 como “o grande roubo”. Mas nunca conseguiram provar isso. Perderam todas as ações judiciais em que tentaram contestar os resultados. As auditorias pós-eleitorais não encontraram nada e, portanto, o suposto “grande roubo” foi qualificado como a “grande mentira”.

O que é importante, entretanto, é se esses resultados eleitorais de meio-termo poderiam provocar uma mudança no partido republicano, distanciando-se do posicionamento político trumpiano, admitindo que ultrapassaram certos limites. A estratégia do trumpismo tem sido manter viva uma mentira e transformá-la em uma espécie de palavra de ordem tribal. Dizer que houve fraude em 2020 tornou-se um rótulo identitário que serviu para aglutinar os membros da tribo nas primárias republicanas, mas encontrou dificuldades inesperadas na hora de tentar ganhar um eleitorado mais amplo nas eleições gerais.

Um dos sinais de alerta é que com o argumento do “grande roubo” entramos em um terreno onde o fator veracidade de qualquer alegação já não tem importância. Permitir dar um passo nesse sentido implicaria que o discurso político em uma das maiores democracias liberais do ocidente já não assumiria o compromisso de refletir, embora de uma perspectiva ideológica, as situações e desafios reais que afligem a sociedade.

Assim, todos os vestígios éticos seriam renunciados e as lideranças abandonariam a responsabilidade de moderar o debate para render-se ao sistema de manipulações argumentativas que a difusão das redes sociais e determinados meios de comunicação hoje permite. Isto é acompanhado de um predomínio do posicionamento tático ditado pela estratégia de comunicação, pesquisas de opinião e a necessidade de se diferenciar do adversário. Não é necessário sequer acreditar na própria posição política, mas assumi-la como uma tática discursiva. A autenticidade perde valor.   

Este talvez seja o momento de lembrar e elogiar um republicano cabal. Em um debate durante a campanha presidencial de 2008, o senador republicano John McCain, após ouvir um participante dizer que não queria que seu filho crescesse em um país liderado por Barack Obama por estar vinculado ao terrorismo, garantiu ao público que o candidato opositor era uma pessoa decente e não tinha vínculos com o terrorismo.

Este exemplo de moderação, liderança e responsabilidade com relação ao discurso político e aos posicionamentos deve ser o modelo se quiserem salvaguardar o processo democrático. Os cínicos dirão que McCain perdeu a eleição. É verdade, mas não perdeu o juízo.

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Decano da Faculdade de C. Jurídicas e Políticas da Univ. Monteávila (Caracas). Professor da Univ. Central da Venezuela e da Univ. Católica Andrés Bello. Doutor pela Univ de Heidelberg. Mestre pela Univ. de Tübingen e Univ. de Columbia.

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