Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Sobre a estratégia para superar a crise venezuelana

A ideia torpe e nociva de que quanto mais suave for o trato com o regime, maiores serão as chances de uma transição democrática, assim como o oposto.

Maduro ainda conta com uma reduzida base social de apoio; segundo os resultados das eleições passadas, um quarto do eleitorado votou nele, o que significa uma derrota eleitoral retumbante, mas tem a capacidade de mobilizar pessoas, sobretudo os militantes em destacamentos de choque. Também se apoia nos poderes constituídos (comandos institucionais e cúpula militar), minimamente coesos, sobretudo devido à incerteza que a queda do regime acarretaria. Por outro lado, disfruta da herança ideológica da fundação do chavismo. E tem o apoio externo de governos autoritários, tanto grandes (China e Rússia) quanto pequenos (Irã, Coreia do Norte). A conclusão a ser tirada desse exame é que a queda do regime de Maduro não é exatamente uma questão fácil.

Por isso, identificar os fatores de seu enfraquecimento também não é fácil. Mas antes de avançar, convém descartar alguns extremos. Primeiro, a ideia torpe e nociva de que quanto mais suave for o trato com o regime, maiores serão as chances de uma transição democrática. Uma aceitação branda do governo de Maduro leva inexoravelmente ao seu prolongamento ao longo do tempo. Da mesma forma, em seu extremo oposto, a rejeição formal – sem mais delongas – de seu regime também não permite superar a crise. Inclusive pode levar ao seu fortalecimento. A rejeição política precisa ser acompanhada de ações concomitantes.

Se uma solução violenta também é descartada, só resta a perspectiva de uma negociação forçada. Nesse sentido, não tenho certeza de que a imagem proposta pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, de que a Venezuela é hoje um narcoestado, seja apropriada. Sobretudo se for associada ao que aconteceu com Noriega no Panamá. Descrever o regime de Maduro como um narcogoverno é reduzir muito a natureza de sua autocracia. Ademais, a operação cirúrgica que foi realizada no país do istmo é um risco que não pode ser assumido no caso da Venezuela.

Certamente, a perspectiva de negociação política deve se basear em uma posição de força. A base essencial dessa estratégia deve ser a exigência de respeitar a transparência das eleições anteriores, a partir da comprovação das atas. Enquanto essa exigência não for atendida, não poderá haver aceitação total da atual presidência de Maduro.

Essa é a linha vermelha mantida pela oposição interna e deve ser parâmetro para os governos democráticos na América e na Europa. Estes últimos devem complementar sua ação promovendo medidas punitivas que correspondam a essa posição de princípio. Obviamente, essas medidas devem ser graduadas e direcionadas com precisão. Por exemplo, as sanções discutidas no governo Biden, que afetariam membros do alto escalão do regime chavista, têm a virtude de afetar a coesão dos poderes constituídos, sem constituir um ataque nacional contra a Venezuela.

Entretanto, todas essas ações firmes devem fazer parte de uma perspectiva de negociação. Mesmo que essa negociação não seja de curto prazo: reconhecimento da derrota eleitoral e garantias de não retaliação. Se essa negociação não for possível, ela também deve ser considerada em médio prazo: novas eleições em um ou dois anos. O que é decisivo é que a porta de saída e o acesso às negociações devem permanecer abertos aos olhos dos quadros chavistas e de toda a população venezuelana. Também deve ficar claro que se trata de uma negociação consistente e não de um artifício para se manter no poder ou o contrário: provocar a queda imediata do regime.

Nesse contexto, também pode haver “time-outs”, ou seja, algum tipo de concessão mútua. Esse é o motivo da saída de Edmundo González, o candidato da oposição que venceu as últimas eleições, da Venezuela para buscar asilo político na Espanha. Como diz a candidata da oposição Corina Machado, “sua segurança pessoal estava em risco” e sua saída mostra os limites do aparato repressivo do regime. Mas, ao mesmo tempo, o governo de Maduro está se livrando de uma batata quente que estava queimando suas mãos. É claro que ambos os lados tentarão tirar proveito político desse evento doloroso, mas se permanecerem firmes em suas posições, a saída de González não romperá de forma decisiva o atual equilíbrio de poder.

Certamente, essa estratégia, orientada para a negociação forçada, requer muita coordenação dentro e fora do país e uma mão com bom pulso para escolher as medidas que correspondam à situação, nem muito conciliatória (no estilo de Rodríguez Zapatero) nem muito aberta (como proposto por alguns venezuelanos no exílio). Ele também insiste em algumas lições que podem ser extraídas da análise comparativa de outros processos de democratização: que ninguém pode substituir a cidadania venezuelana quando se trata de escolher uma estratégia adequada e que é preciso dar atenção especial a eventos inesperados.

Autor

Otros artículos del autor

Enrique Gomáriz Moraga tem sido pesquisador da FLACSO no Chile e outros países da região. Foi consultor de agências internacionais (UNDP, IDRC, BID). Estudou Sociologia Política na Univ. de Leeds (Inglaterra) sob orientação de R. Miliband.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados