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A batalha dos populismos

Nas eleições presidenciais da Argentina há um confronto entre o populismo clássico e o novo populismo de extrema direita, cujos ícones mais famosos são os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. A pergunta é se os argentinos (ou ao menos a maioria deles), muitas vezes criticados por não olharem além de seus próprios problemas e virtudes, podem aprender com as lições globais do novo populismo e com a miséria e o ódio que ele gera. Um triunfo de Milei representa esperança para os inimigos da democracia.

Como tantos representantes do novo populismo de extrema direita, Milei é caracterizado por sua vulgaridade, sua intolerância e seus ataques à imprensa e aos valores e direitos da democracia. Apresenta um verdadeiro culto ao líder que nega a ciência, é assessorado pelo cachorro morto e gira em torno de seu narcisismo e instabilidade emocional. Deve-se entender que Milei não é liberal, de centro-direita ou libertário, como quer se apresentar, mas sim um populista de extrema direita com vocação fascista.

Embora em muitos sentidos ele não seja um personagem sério, não pode ser subestimado, pois apresenta uma ideologia claramente antidemocrática. Assim como Trump e Bolsonaro (ou Víktor Orbán na Hungria, Vox na Espanha ou Giorgia Meloni na Itália), políticos como ele são contra o pluralismo na democracia. Em maior ou menor grau, são líderes messiânicos, indivíduos violentos e erráticos que prometem soluções mágicas e violência simbólica ou prática.

Milei é um demagogo que usa acessórios como martelos para exibir fantasias sobre um Estado sem Estado, um Estado sem instituições. Promete violência contra as instituições estatais e, talvez, contra quem ele não gosta. O símbolo da campanha de Milei é uma motosserra e, em 2020, anunciou sua entrada à política prometendo violência contra seus inimigos: “Vou entrar no sistema para chutá-los para fora”. 

O fascismo se formula com base em uma ideia moderna de soberania popular, mas na qual elimina a representação política e delega plenamente o poder ao ditador, que age em nome do povo. Os novos populistas, iluminados pelo fascínio por si mesmos, também entendem o poder como delegação e até retornam à violência, às mentiras e ao ódio, mais típicos do fascismo do que do populismo clássico.

No país onde o populismo chegou ao poder pela primeira vez em 1946 com o general Juan Domingo Perón, Sergio Massa, o candidato do peronismo e atual ministro de uma economia em crise e de um governo fracassado, apresenta-se como a opção moderada. O candidato de um cordão sanitário contra a antidemocracia do mini-Trump Milei. Massa precisa convencer muitos antiperonistas e antikirchneristas de que votar nele não significa apoiá-lo ou ao seu partido, mas votar contra a opção antidemocrática que colocaria em risco as instituições do país. Ao mesmo tempo, precisa convencer os peronistas e kirchneristas de que também os representa. E talvez também convencer muitos dos possíveis eleitores antiperonistas de Milei a não votar no extremista e votar em branco.

O desafio de Massa é convencer os argentinos que não votaram nele no primeiro turno de que ele representa um mal menor, pois o remédio personificado por Milei é pior do que a doença. Não é muito, mas também não é pouco. Como disse o grande escritor argentino Jorge Luis Borges em um poema, “não estamos unidos pelo amor, mas pelo medo”.

A questão é: o que farão aqueles que não votaram em Massa ou Milei no primeiro turno? Votarão para punir um governo populista clássico cujas falhas e problemas são evidentes ou para defender a democracia e suas instituições? Em um nível racional: ninguém que acredite no valor da democracia hoje em dia deveria votar em um candidato antidemocrático, mas, infelizmente, essa eleição não tem tanto a ver com a razão quanto com as mentiras, a propaganda e a demagogia de Milei.

Na Argentina, muitas vezes se discute Milei como se tivesse uma lógica racional. É um erro pensar que um populista tão extremo e instável, que faz do ódio o centro de seu “programa”, seria capaz de se moderar no segundo turno, como fez quando disse que haveria espaço para a esquerda em seu gabinete. Esse apelo responde ao seu desespero para atrair votos por bem ou por mal.

À direita, Milei se aliou ao ex-presidente Mauricio Macri e à sua candidata fracassada Patricia Bullrich, a quem, no passado, já rotulou de fascistas. E como se não bastasse, recentemente ele tachou sua nova aliada de assassina e terrorista. Sua aliança com os sindicalistas do antigo regime e seu elogio àqueles que ontem representavam o velho sistema confirmam que, a essa altura, Milei dirá qualquer coisa para obter votos.

O maior apoio de Milei está entre os menores de trinta anos. Muitos deles levantaram a necessidade de uma mudança geracional e classificaram os eleitores de centro-direita como “velhos chatos”. Mas agora precisam de seus votos. Na verdade, alguns já haviam anunciado que o apoiariam no segundo turno antes de seu próprio partido ser derrotado. Entre eles, o ex-presidente Macri representa o setor de centro-direita que quer fazer o papel de Von Papen, ou seja, os conservadores que na República de Weimar apoiaram o extremismo fascista.

Lembremos que Milei é o candidato machista-populista e anticientífico que se diz “professor” de sexo tântrico e que garantiu que pode “passar três meses sem ejacular”, que considera necessário permitir a venda livre de órgãos e desregular a venda de armas ou que garante que a mudança climática é uma invenção comunista. Milei continua sendo o mesmo de sempre e não deixará de sê-lo. Sua mudança é uma ruptura com o conhecido e uma aproximação do abismo. Algo desconhecido localmente, mas já experimentado pelo Brasil e pelos Estados Unidos: parafraseando Max Weber, a política da irresponsabilidade.

A Argentina ficará nas mãos de gente incapaz de governar? Quem vê por trás dos gritos uma personalidade instável e vulgar votará contra o candidato do mini-Trump, Milei, e outros se absterão. Mas, infelizmente, há muitos que compram a mensagem antipolítica sem ver o que está por trás dela: um risco para nossa democracia.

Autor

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Profesor de Historia de New School for Social Research (Nueva York). Fue profesor en Brown University. Doctor por Cornell Univ. Autor de varios libros sobre fascismo, populismo, dictaduras y el Holocausto. Su último libro es "Brief History of Fascist Lies" (2020).

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