Em 13 de agosto se iniciou, na capital mexicana, um novo processo de negociação entre o governo e a oposição venezuelana. Este seria o quinto processo de negociação desde 2014 e o segundo que se realiza sob a condução da chancelaria do Reino da Noruega. A lembrança dos infrutíferos encontros naquela época em Caracas, Oslo, Santo Domingo e posteriormente em Barbados, seguem frescas na memória coletiva do país.
Se inaugura uma nova instância de encontro político, que em boa medida evidencia a magnitude da destruição deliberada e sistemática da Venezuela. O controle hegemônico das instituições públicas, o bloqueio de eleições, a perseguição, a prisão e o assédio de partidos, ativistas políticos, sindicalistas e demais formas de dissidência política, são as principais características do entorno político venezuelnegoano.
Nesta ocasião, o regime de Maduro está muito mais necessitado e o cerco diplomático e financeiro, ao que parece, está fazendo estrago. As tensões internas ficaram em evidência nas recentes eleições internas, prévias às eleições regionais que serão celebradas no final do ano, o qual estaria evidenciando que a narrativa sobre a autossuficiência política poderia estar atingindo seus limites.
O que há de novo nas negociações do México 2021?
Diferente das negociações anteriores, nesta os sete pontos da agenda foram abertos ao escrutínio público: direitos políticos para todos; garantias eleitorais e calendário eleitoral; levantamento de sanções e retorno de ativos retidos no exterior; respeito ao Estado Constitucional de Direito; convivência política, renúncia à violência e reparação às vítimas de violência; proteção da economia nacional e medidas de proteção social; garantias de implementação, acompanhamento e verificação do que foi acordado. Esta agenda, como na rodada anterior, mantém o princípio de que “nada está acordado até que tudo esteja”.
Neste marco, se destaca particularmente a comunicação entre as partes. Para a delegação do governo, a oposição já não é um grupo “terrorista e desestabilizador”. Ainda que para parte da delegação opositora, o regime de Maduro é “o governo”. Isto parecia vislumbrar o fim da dualidade dos governos, embora não represente necessariamente o fim do apoio diplomático de mais de 50 países do mundo à liderança de Juan Guaidó e outros líderes da oposição. Como o próprio delegado da oposição Gerardo Blyde reconheceu, “cada parte teve que ceder parte de sua narrativa para chegar a um meio termo”.
Negociação existencial para a Venezuela e seus políticos
A erosão da liderança política venezuelana, em ambos os lados da mesa, a esta altura já é inegável. Após as questionáveis eleições parlamentares de 2019, a desafeição política dos cidadãos aumentou proporcionalmente ao agravamento da crise humanitária que padece no país dentro e fora de suas fronteiras. Entre a precariedade governamental na gestão da pandemia, a fragmentação política da oposição e a falta de acordos para que a ajuda humanitária chegue a seu destino, o descrédito e a desesperança são transversais a todo o espectro político.
Neste sentido, a necessidade de um acordo é necessária para os venezuelanos, mas também para a maltratada classe política já que ambos os lados da mesa precisam revitalizar sua legitimidade.
Outro aspecto é o efeito que poderia ter a eventual judicialização do governo venezuelano perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), o que poderia desencadear uma ingovernabilidade tanto a nível nacional quanto internacional. Os relatórios documentados pelo Alto-comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, assim como as reiteradas ações do governo venezuelano diante de suas recomendações, poderiam representar um fator agravante para o processo de negociação.
As negociações no México
O fato das negociações terem sido propostas no México responde também à iniciativa do governo de Andrés Manuel López Obrador e seu chanceler Marcelo Ebrard, que, além de não esconder suas aspirações eleitorais, busca complementar o habitual respaldo diplomático que o governo mexicano tem dado à Maduro. Por outro lado, o México é atualmente o único aliado na região que não está imerso em uma comoção política nacional, como Cuba e Nicarágua, ou em um clima pré-eleitoral, como é o caso da Argentina.
Outro diplomata destacado na negociação é Dag Nylander, o diretor do centro norueguês para resolução de conflitos, que conhece muito bem a política externa venezuelana. Em 2017, ele foi delegado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, como representante diante da disputa limítrofe entre Venezuela e Guiana.
Entretanto, ambas as partes enfrentam uma grande desafeição social. Quanto à oposição, destaca-se sua condução errática na reconstrução da “unidade democrática”, uma tarefa complexa, esporádica e diferida por uma liderança que tem custado mais do que o esperado para unir vontades, especialmente em conjunturas eleitorais. Neste contexto, estas negociações poderiam contribuir para reavivar seu reconhecimento político internacional e conseguir alguns avanços significativos a nível nacional.
É certamente prematuro afirmar um desenlace para um processo tão complexo. Entretanto, devido às reiteradas experiências prévias falidas, assim como o apaziguamento alcançado pelo governo nestes processos, pareceria difícil chegar a um acordo. Em virtude do histórico negociador do chavismo, a única coisa que pode ser demonstrada é a continuidade de sua fragilidade diante das críticas, da falta de confiabilidade de sua palavra e, sobretudo, de sua vigorosa disposição para o uso desmedido da violência.
Entretanto, nas atuais circunstâncias e diante das pressões internas do chavismo, não se pode descartar alguma concessão do governo que não toque muito de perto nas instituições que podem garantir sua permanência no poder. Isto, com a intenção de conseguir aliviar as sanções que estão sendo impostas internacionalmente aos altos funcionários da ditadura.
Também é necessário considerar que o clima internacional parece favorável para aproximar as posições. As exigências da administração Biden parecem estar de acordo com as reiteradas pela União Europeia e algumas nações da região latino-americana em termos de permitir a assistência humanitária diante de um eventual desmantelamento gradual das sanções. Uma possibilidade que dependerá da capacidade das partes de fazer concessões.
Teremos que esperar e examinar os próximos acontecimentos. No momento, temos apenas nove representantes de cada lado, uma representação política questionável, desconfiança mútua e expectativas renovadas frente a uma nova negociação. Todos reunidos na Cidade do México estão mais uma vez tentando se entender e encontrar uma solução para a barbárie que vivem os venezuelanos.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Politólogo egresado de la Univ. Central de Venezuela y la Universidad Autónoma de Barcelona. Master en Estudios Latinoamericanos, Universidad de Salamanca. Analista de asuntos parlamentarios.