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As pontes do Acre já existem!

O Acre foi a última grande expansão territorial do Brasil. Comprado da Bolívia no início do século XX, faz fronteira também com o Peru. Nos últimos anos, foi comum em diferentes regiões do Brasil, a expressão “o Acre não existe”. Convertida em piadas e memes, refletia de forma pejorativa sua pequena população, economia de baixa complexidade, infraestrutura deficiente e, sobretudo, a ignorância de regiões decadentes que tem dificuldade de conhecer o próprio país.

As notícias do Acre para o grande público brasileiro nos últimos anos se resumiram às suas constantes inundações e a nova rota de migração. Ambos os fenômenos têm relação direta com as pontes do estado, que terão novo protagonismo devido à profunda mudança geoeconômica que o Brasil está passando.

Nesta sexta-feira (dia 7) será inaugurada pelo presidente Bolsonaro a ponte do Abunã em Rondônia. A obra de 1,9 Km sobre o rio Madeira conectará pela primeira vez a capital do Acre a outras capitais do país sem a necessidade de balsa. A decisão de construí-la foi da presidenta Dilma Rousseff em 2014, durante uma cheia que deixou Rio Branco, capital do Acre, isolada das demais capitais do Brasil por 90 dias. A crítica situação para os acreanos naquele momento foi amenizada pelas pontes de Epitaciolândia e Assis Brasil. Inauguradas em 2004 e 2006, ligaram o Acre à Bolívia e ao Peru, respectivamente. Essas pontes construídas no governo Lula juntas com a pavimentação da BR-317 até Assis Brasil, realizada no governo Fernando Henrique Cardoso, garantiram o fornecimento de combustível peruano e alimentos bolivianos para os acreanos.

Do sonho à desilusão em uma década

Também foi o caminho para milhares de haitianos que migraram para o Brasil após o terremoto de Porto Príncipe em 2010. Eles chagavam depois de longas viagens. Partiam por via aérea para o Equador, com escala no Panamá. Depois seguiam por terra pelo Peru para ingressarem no Brasil via Acre. A avançada política migratória equatoriana e o bom desempenho econômico do Brasil tornavam essa rota atraente. Em 14 fevereiro de 2021, os estrangeiros na ponte binacional entre Assis Brasil e Iñapari foram novamente notícia.

Quatrocentos deles, em sua maioria haitianos, mas também oriundos de países da costa oeste africana e de países indostânicos, que vieram de diferentes estados brasileiros após estadia de períodos variados no país. Devido à restrição de entrada de estrangeiros no Peru, em decorrência da pandemia da COVID-19, os migrantes foram impedidos de ingressar no país vizinho, a fim de continuar seus projetos migratórios. Bloquearam a ponte por vários dias. Deixaram o Brasil sem ver inaugurada a ponte do Abunã. Talvez pela desilusão com a crise de saúde pública ou o aumento do desemprego.

Faltava pouco. No final do governo Michel Temer, em dezembro de 2018, 85% da ponte do Abunã já estava pronta e a expectativa era que a inauguração fosse em agosto de 2019. Após atrasos, aditivos e alguns adiamentos, e 117 anos depois do Tratado de Petrópolis que formalizou o acordo entre Brasil e Bolívia para que o Acre formasse parte do território brasileiro, este estado estará interconectado por estradas ao Atlântico. Tão importante quanto, Rondônia, sul do Amazonas e noroeste do Mato Grosso terão um caminho totalmente pavimentado ao Pacífico.

Marcha para oeste

O Brasil caminha para Oeste na economia, na demografia e principalmente nas exportações. A atual fase dessa marcha é consequência do abandono industrial interno e da transição do centro dinâmico da economia mundial do Atlântico Norte à Ásia-Pacífico.

Ao se isolar politicamente da América do Sul e desmontar o apoio estatal à internacionalização de suas empresas, o Brasil aprofundou a crise de seu setor industrial cambaleado pelo baixo crescimento interno. Não à toa, Brasil e Argentina foram os dois países cujo setor industrial mais perdeu peso relativo no mundo nos últimos cinco anos. O futuro produtivo do país parece não estar mais concentrado no Atlântico.

Entre 2000 e 2010 todas as regiões do Brasil cresceram e as exportações per capita nominais se multiplicaram por mais de três, passando de US$ 324 para US$ 1051. Em 2020, as exportações per capita do conjunto do Brasil haviam recuado para US$ 988. Mas o comportamento entre os estados é muito discrepante. São Paulo, líder em exportações industriais, exportava US$ 19 bilhões em 2000, atingiu US$ 59 bilhões em 2011 e regrediu a US$ 42 bilhões em 2020. Já o Mato Grosso exportou US$ 1 bilhão em 2000 e US$ 18 bilhões em 2020, aumentando suas vendas externas concentradas no agronegócio ininterruptamente ano após ano.

Nos últimos 20 anos, o comércio mundial triplicou seu valor nominal em dólares, as exportações da China multiplicaram seu valor por dez e as vendas externas do Mato Grosso aumentaram 18 vezes. Na proporção per capita, um mato-grossense exportou em média US$ 5170 em 2020 enquanto um chinês exportou US$ 1799.

Custos ambientais

A expansão da fronteira agrícola em direção ao norte e oeste veio acompanhada de altos custos ambientais e mudanças logísticas. Mato Grosso só esteve atrás do Pará em desmatamento nos últimos anos e parte significativa da produção agrícola do estado se dá em terras devastadas ilegalmente.

A dinâmica tem sido desmatamento, aumento da exploração de madeira, seguida do crescimento da produção pecuária e, depois, da expansão das áreas de cultivo de grãos. Esse movimento avança em direção a Rondônia e ao Acre. Em 2000, Rondônia exportava apenas 43 dólares nominais per capita, sendo 90% madeira. Em 2020 foram 764 dólares por rondoniense, 52% só de carnes, 30% de soja e menos de 5% de madeira.

Mas a saída pelos portos do Atlântico, cada vez mais longe da produção, tira competitividade da carne brasileira. A carne fresca e refrigerada tem um valor médio no mercado mundial 20% superior ao da carne congelada. O Brasil responde sozinho por 19,9% das exportações mundiais de carne congelada, mas apenas por 3,7% das carnes frescas e refrigeradas. As carnes de maior valor da fronteira ocidental brasileira serão muito mais competitivas nos mercados da Ásia-Pacífico se cruzarem os Andes por terra. Não apenas pelo custo, mas principalmente pelo tempo.

Caminho mais curto

Por vias pavimentadas, o distrito de Abunã em Rondônia está a 1734 Km do porto de Matarani na costa do Pacífico peruano e a 3274 km do porto de Santos ou a 2784 de Belém do Pará. Já a fronteiriça Assis Brasil no Acre está a 1164 Km de Matarani, 3357 Km de Belém e a 3864 Km de Santos. E Matarani está a alguns milhares de milhas náuticas mais próxima do Japão do que Santos ou Belém. Os dias economizados no trajeto pelos portos do Pacífico podem garantir acesso rápido de produtos refrigerados à Ásia, mercado que via Atlântico o Brasil só alcança em commodities e congelados. Para isso é necessário escala e logística.

A saída pelo Pacífico pode ser o caminho para agregar mais valor às exportações do Centro Oeste e, principalmente, da Amacro, acrônimo referente à área da que congrega o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia, próximos à tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e o Peru. O Acre está prestes a viver uma grande transformação, de magnitude similar a que ocorreu no Mato Grosso e que está em curso em Rondônia. O desafio é aprender rapidamente para evitar as externalidades negativas da expansão agrícola do Mato Grosso e do Matopiba (parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia), reforçar o uso organizado e consciente do solo e coibir a devastação ilegal.

No caso do Matopiba, o conceito surgiu após a realidade econômica se impor com altos custos ambientais e aproveitamento limitado dos benefícios sociais do aumento da produção. Na Amacro é possível definir o modelo de desenvolvimento no início da nova realidade econômica e seu planejamento será mais satisfatório se incluir a conexão com o Pacífico.

Autor

Economista. Trabaja en el Instituto de Investigación Económica Aplicada - IPEA (Brasilia). Fue Director de Asuntos Económicos de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR). Doctor en Integración Latinoamericana por la Univ. de São Paulo (USP).

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