Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Sem oposição não há democracia

Em vários países latino-americanos há uma crescente polarização política que é fomentada a partir do topo do poder. Um dos principais focos de ataque são os setores da oposição partidária e não partidária a vários dos governos da vez. O presidencialismo, que é a forma de governo comum na região, funciona eficientemente se houver uma relação equilibrada entre o governo e a oposição, mas acima de tudo se os partidos, grupos e setores que se encontram em uma ou outra situação compartilharem valores democráticos.

Os governos divididos, ou seja, quando o governo não tem maioria no poder legislativo, podem gerar fases de ingovernabilidade. Entretanto, a história recente da América Latina mostra que a ingovernabilidade é geralmente fomentada pelos executivos, e quando estes gozam de amplas maiorias legislativas, há também uma maior tendência a fomentar práticas autoritárias.

Nos últimos anos, seja sob governos unificados ou divididos, uma grande parte dos presidentes latino-americanos, seus governos e seus seguidores lançaram ataques contra as oposições, pondo em risco a estabilidade das democracias, que por si mesmas não gozam de boa saúde. Em outubro de 2022, dos 16 maiores e mais populosos países da região, sete têm um governo unificado, ou seja, o partido do presidente e seus aliados têm pelo menos uma maioria simples no poder legislativo. 

Entre eles estão El Salvador, Nicarágua e Venezuela, que contam com um legislativo unicameral, e os três já são considerados autoritários nos índices que medem a democracia no mundo. E o México, que conta com um sistema bicameral, pode atualmente ser considerado uma democracia debilitada ou com traços de regressão autoritária.

Desde 2007 na Nicarágua, o governo de Daniel Ortega têm controlado 85% da Assembleia Nacional e a oposição mal chegou a 15% das cadeiras. Em agosto de 2021, a aliança de oposição Ciudadanos por la Libertad, CxL, que liderava as pesquisas, foi desqualificada pelo Tribunal Eleitoral, controlado pelo governo, e seus pré-candidatos foram presos. Nas eleições municipais de 2017, essa aliança havia conquistado cinco municípios, mas em julho de 2022 eles foram ilegalmente tomados pelo governo e novos prefeitos foram nomeados. A situação se agravou em setembro deste ano quando o regime de Ortega ordenou a prisão arbitrária de familiares de opositores e dissidentes ao seu governo.

Na Venezuela, das cinco legislaturas que foram instaladas desde 2000 sob a Constituição de 1999, quatro estiveram sob o controle do governo chavista. E quando perdeu a maioria em 2016, Nicolás Maduro desconheceu a Assembleia nas mãos da oposição e forjou uma estratégia para colocar sobre esta a Assembleia Constituinte de 2017, que de fato só respondia a suas ordens. Isto gerou uma crise política e de representação, na medida em que os partidos e líderes da oposição decidiram não participar das eleições legislativas de 2020, enquanto o Conselho Nacional Eleitoral decidiu aumentar ilegitimamente o número de legisladores de 167 para 207, dos quais atualmente 93% são partidários do governo.

Em El Salvador, em fevereiro de 2020, o presidente Nayib Bukele, eleito um ano antes, ingressou escoltado por membros do exército à sede da Assembleia Legislativa, nesse momento controlada pela oposição para pressioná-los a votar para um projeto de solicitação de empréstimo aos Estados Unidos. Esta ação foi debilmente condenada dentro do mesmo país, apesar de ter sido uma clara violação à soberania do poder legislativo. Nas eleições legislativas de 2021, seu partido, Nuevas Ideas, obteve 76% das cadeiras, e uma vez instalados votaram pela destituição dos membros da Corte Constitucional e do Procurador Geral, que se opuseram a suas decisões, e posteriormente designaram a membros alinhados ao governo. Para justificar decisões tão arbitrárias, Bukele chegou ao ponto de dizer: “O povo não nos mandou para negociar. Se vão. Todos”.

Desde 2018, no México, o Morena, partido do Presidente Andrés Manuel López Obrador, e seus partidos aliados, têm tido maioria simples nas Câmaras de Deputados e Senadores, e conseguiram aumentá-la graças ao transfuguismo e à baixa disciplina partidária dos partidos de oposição. Praticamente todos os dias desde que ganhou as eleições, em suas conferências “matinais”, o presidente se dedica a depreciar e ridicularizar a oposição, e quando os votos não têm sido suficientes para que seu partido e aliados realizem suas reformas legais, ele tem recorrido a chantagens e ameaças para conseguir que alguns legisladores de partidos da oposição votem por suas iniciativas, como aconteceu em outubro de 2022 quando o Congresso aprovou a ampliação da permanência do exército em tarefas de segurança pública até 2028. 

Estes casos mostram a debilidade das democracias na América Latina e os perigos do presidencialismo quando ele não é controlado, ou melhor, quando não há controles democráticos. As oposições sistêmicas na democracia, partidárias e não partidárias, não são apenas necessárias, mas sua permanência é indispensável. Assim como não pode haver democracia sem eleições, também não há democracia sem oposição.

Não basta a existência de dois ou mais partidos; o que está no governo deve assumir que requer e deve ter um contrapeso político, caso contrário surgirão tentações autoritárias com a consequente deterioração dos princípios democráticos. A dialética governo-oposição não apenas mede as forças que apoiam o governo, mas também aquelas que exercem um poder ativo de crítica, de controle e de direção alternativa de governo. Na América Latina, somente a Colômbia reconhece, desde 2017, o papel da oposição e lhes concede direitos com base em um estatuto.

A “oposição” não deve de forma alguma ser confundida com “hostilidade” ao governo. As funções das oposições partidárias nas democracias são se expressar sobre a direção que o governo está tomando ou deveria tomar; exercer funções de controle, usando os recursos legais à sua disposição, se expressar sobre os resultados da atuação do governo e suas consequências; e se preparar para a alternância, ou seja, toda oposição tem a responsabilidade de se apresentar como uma opção de governo.

A oposição se exerce a partir de um auto-posicionamento que se assume a partir de uma orientação ideológica, de um conjunto de ideias sobre a política e dos resultados do jogo democrático. Somente na medida em que se compreenda o poder e a estruturação das oposições políticas, é possível entender também o êxito ou o fracasso dos governos da vez, mas sobretudo o destino das democracias.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar

Autor

Otros artículos del autor

Cientista político. Profesor Titular de la Universidad de Guanajuato (México). Doctor en Ciencia Política por la Universidad de Florencia (Italia). Sus áreas de interés son política y elecciones de América Latina y teoría política moderna.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados