As eleições parlamentares na Venezuela têm sido realizadas a cada cinco anos desde a primeira legislatura da Assembleia Nacional (NA) em 2000. Entretanto, para entender o contexto político das eleições de 2020, é necessário examinar a virada ditatorial do regime de Nicolás Maduro após a derrota do chavismo nas eleições legislativas de 2015.
A partir de dezembro de 2015, o governo, junto com o Poder Judiciário e as forças de segurança do Estado, iniciaram uma ofensiva sem precedentes contra a oposição. Este cerco sistemático à autonomia parlamentar acelerou a deterioração das condições eleitorais que já eram questionáveis até então.
Pouco depois dos resultados das eleições parlamentares com o maior comparecimento eleitoral da história, que deram uma maioria qualificada de 2/3 dos assentos à oposição, começou o contra-ataque presidencial. O Supremo Tribunal de Justiça seria o principal aríete que persiste até hoje com 141 sentenças que procuram como um todo anular os poderes constitucionais desta maioria parlamentar.
Uma das primeiras sentenças impugnou os deputados do estado do Amazonas sem o ônus da prova, o direito à defesa, ou uma sentença final. Desta forma, além de limitar este território de representação parlamentar, foi impedida a consolidação da maioria qualificada e com ela os poderes constitucionais que este tipo de maioria tem em termos de controle político. Este ataque marcaria o resto das sentenças e ações contra a AN. O juramento desses deputados foi o álibi para declarar o Parlamento em desacato e assim anular todas as decisões e o pleno exercício de seus poderes institucionais.
Em 2016, a petição para um plebiscito revogatório da oposição mobilizada eleitoralmente foi desprezada pelo Conselho Nacional Eleitoral com acusações infundadas de fraude na arrecadação de assinaturas. Isto, além de mais uma vez alimentar a crise de governança, renovou a desconfiança no processo eleitoral entre os cidadãos e entre os líderes do MUD, uma coalizão de partidos que já foi desarticulada.
A criação de um sistema eleitoral sob medida se converteu em política de Estado ao ponto de permitir uma convocação eleitoral inconstitucional como foi a eleição da Assembleia Nacional Constituinte em 2017, que teve como objetivo a elaboração de uma nova constituição. Na prática, porém, apenas um parlamento paralelo foi imposto à AN. Esta prática empregada pelo chavismo, quando alguns resultados eleitorais foram adversos ao mesmo, acabou esvaziando o voto do sentido cívico como meio de expressão política e de mudança institucional.
Com esta nova imposição, a perseguição dos deputados e a repressão sangrenta dos mais de 6.700 protestos sociais registrados em 2017 continuariam, enquanto a oposição continuava a dividir-se sobre suas estratégias de mudança política. Para as eleições regionais de 2017, a desmobilização eleitoral seria inevitável e a divisão interna entre abstencionistas e eleitoralistas se aprofundava. Isto atingiu seu auge com a convocação presidencial de 2018, que estava cheia de vícios.
O beco sem saída do abstencionismo
O atual abstencionismo da oposição na Venezuela começou a tomar forma no final de 2016 e cresceu com o desconhecimento sobre as eleições presidenciais de 2018 e a irrupção do governo interino de Juan Guaidó em janeiro de 2019.
A expectativa de uma transição democrática e o pedido de cessação de funções de um governo catalogado como usurpador por aquela eleição questionada na Venezuela, foi um novo marco estratégico para pressionar uma mudança política apoiada por mais de 50 democracias. Com o estabelecimento de um cerco diplomático e financeiro ao regime de Maduro, a liderança da oposição considerou que, mais cedo ou mais tarde, ocorreria uma ruptura interna, especialmente entre as forças armadas.
Mas a estratégia não funcionou, e nem as tentativas subsequentes de negociar com o regime. Pelo contrário, este erro de cálculo serviu para o chavismo depurar suas fileiras de desertores e conseguiu desmantelar a oposição do único cenário em que foi bem-sucedida: a arena eleitoral.
Após a expulsão militar dos deputados do Palácio Legislativo Federal em janeiro de 2020 e a criação de uma nova junta diretiva, o chavismo desconsiderou as competências da atual legislatura e impôs novas autoridades eleitorais, novos regulamentos, novas juntas diretivas na maioria dos partidos e aumentou inconstitucionalmente o número de assentos da AN. Essas ações ocorrem enquanto o empobrecimento acelerado da população continua, a migração forçada em massa continua e a vulnerabilidade aumenta diante da expansão da COVID-19 em uma Venezuela onde o sistema de saúde é quase inexistente.
Deve-se notar que a Venezuela tem um precedente amargo em questões de abstinência. A retirada da oposição das eleições parlamentares realizadas na Venezuela em 2005 trouxe resultados políticos, econômicos e jurídicos desastrosos, cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir. Durante a legislatura 2005-2010, a atual arquitetura jurídica antidemocrática foi construída e todos os mecanismos parlamentares de controle orçamentário foram entregues, o que permitiu a consequente expansão do saque e da corrupção chavista.
Apesar deste precedente, a oposição reiterou sua falta de conhecimento sobre as eleições legislativas de 2020″
Apesar deste precedente, a oposição reiterou sua falta de conhecimento sobre as eleições legislativas de 2020 e propôs, ao invés disso, novas mobilizações e até mesmo uma consulta popular. No entanto, a abstenção não levará a um fortalecimento da unidade, nem ajudará a manter o apoio internacional quando o mandato constitucional da oposição parlamentar terminar em janeiro de 2021.
Embora as condições eleitorais atuais na Venezuela não pudessem ser piores, a abstenção acabaria sendo um beco sem saída sem nenhum valor estratégico para o futuro. Pois mesmo diante da derrota, o esforço organizacional envolvido em qualquer eleição poderia permitir à oposição reconstruir a unidade estratégica perdida, renovar sua liderança e recuperar gradualmente o apoio social de uma nova realidade demográfica. Desta forma, poderia recalcular suas estratégias diante de uma geopolítica cada vez mais desarticulada e errática sobre a crise humanitária venezuelana.
Por enquanto, estas controversas eleições legislativas podem acabar consolidando a transição para um regime muito mais restritivo. Um novo sistema político no qual todos os poderes públicos são controlados hegemonicamente e a nova oposição é mantida sob tutela, presa, desqualificada, exilada e dividida. Tudo isso em face do sofrimento humanitário resultante de um colapso político que hoje parece longe de ser resolvido.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto de Carlos Adampol em Foter.com / CC BY-SA
Autor
Politólogo egresado de la Univ. Central de Venezuela y la Universidad Autónoma de Barcelona. Master en Estudios Latinoamericanos, Universidad de Salamanca. Analista de asuntos parlamentarios.