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Argentina: o general Milani vai à guerra

César Santos Gerardo del Corazón de Jesús Milani, seu nome completo, foi chefe do Exército argentino, designado pela então presidente Cristina Fernández de Kirchner, de 3 de julho de 2013 a 24 de junho de 2015. Antes, foi chefe da inteligência militar, cargo que manteve desde o comando.

Desde sua aposentadoria, teve que passar por processos judiciais por seu desempenho como jovem oficial durante a repressão da última ditadura e também por enriquecimento ilícito, processos nos quais foi absolvido. Desde então, se entretém participando da vida pública a partir de sua adesão militante ao peronismo histórico e ao kirchnerismo.

Recentemente, Milani surpreendeu por seus comentários sobre a guerra na Ucrânia e seu apoio entusiasmado à invasão russa e à figura de Putin, a quem apresenta como um campeão do anti-imperialismo. Em sua conta no X, antigo twitter, postou em 29/7 que “a chamada contraofensiva ucraniana, que havia sido anunciada com grande alarde, já podemos dizer, a esta altura dos acontecimentos, que fracassou totalmente. É quase um fato que ela chegou a um impasse absoluto diante de uma resistência ferrenha da defesa russa”.

“Não só fracassou”, continua Milani, “mas o exército do Kremlin está atualmente envolvido em operações ofensivas em quase toda a linha de frente”. O general argentino continua sua análise geopolítica da seguinte forma: “Enquanto o império dos EUA, através da OTAN e de um presidente tolo como Zelensky, absolutamente obcecado pelo poder do Ocidente e ignorante na arte da guerra, segue enviando para a morte milhares de soldados ucranianos que lutam por interesses que lhes são completamente estranhos, a Rússia resiste ao ataque da aliança militar mais potente do mundo e prolonga o combate no seu ritmo”.

Ele continua sua avaliação do conflito afirmando que “uma vez que a Rússia consiga finalizar a guerra, veremos um mundo mais equilibrado, com pesos distribuídos entre as três principais potências e um cenário melhor para os países como o nosso, que historicamente foram submetidos aos interesses econômicos dos EUA, uma das principais razões pelas quais nunca alcançamos nossa independência econômica e verdadeira soberania nacional”. E acrescenta que “a Rússia luta hoje para colocar um limite à expansão desmedida de um império insaciável que não soube reconhecer nenhum limite, os interesses soberanos de muitos países estão em jogo nesse conflito.

Nesse cenário, se aproxima o fim de uma era geopolítica marcada pelo unilateralismo. Nos próximos anos, o domínio absoluto dos EUA como polícia do mundo acabará”. Milani conclui afirmando que “o desafio do nosso país será saber onde, como e de que forma vamos nos posicionar para receber essa mudança em benefício de nossa amada pátria”.

Dias após a difusão desse texto, em 31 de julho, o correspondente do jornal La Nación, de Buenos Aires, perguntou ao chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrilo Budanov, em uma coletiva de imprensa em Kiev, o que ele achou das opiniões do ex-chefe do exército argentino. A resposta foi lacônica: “Quem é Milani? Bem, eu o convido a vir, nós o convidamos para a Ucrânia e mostramos a ele o que está acontecendo”, respondeu.

É muito doloroso lembrar que, durante muitos anos, quem escreve e pensa hoje sobre a guerra na Ucrânia foi o homem forte das Forças Armadas na Argentina, uma pessoa de confiança da então ministra da Defesa Nilda Garré e da presidente Cristina Kirchner. Por isso, é um alívio saber que ele agora representa só uma voz testemunhal marginal e minoritária. Com reminiscências distantes do nacionalismo anticomunista da Guerra Fria que nos levou à guerra e à derrota nas Malvinas. Aqueles generais e almirantes diziam defender a “civilização ocidental e cristã” e acabaram nos levando à guerra contra o Ocidente, exaltando um anti-imperialismo tardio, buscando o apoio de Moscou.

Movimentos pendulares dos governos argentinos vêm ocorrendo há muito tempo e continuaram se repetindo até tempos mais recentes. Só um exemplo recente: em 3 de fevereiro de 2022, o presidente Alberto Fernández, no marco de uma reunião que teve com Putin na capital russa, disse com entusiasmo: “Temos que ver como a Argentina pode, de alguma forma, se tornar uma porta de entrada para a América Latina, para que a Rússia ingresse na América Latina de forma mais decisiva”. O mandatário argentino se mostrou “profundamente agradecido” à Rússia pelo fornecimento de vacinas contra o coronavírus durante a pandemia. O que Fernández não poderia ter previsto era que três semanas depois – que azar!– o presidente russo ordenou a invasão da Ucrânia.

Quarenta anos depois, o último homem forte do generalato argentino se expressa como um pombo do general Leopoldo Fortunato Galtieri, aquele general perdido da última ditadura, que abandonou o país ao retomar as Ilhas Malvinas à força e embarcar em um conflito bélico contra a Grã-Bretanha em 1982 que terminou em um desastre bélico e precipitou a retirada dos militares do poder e a recuperação da democracia. Essa democracia que em breve celebrará seus quarenta anos votando. Entre memórias e esquecimentos. Encontros e desencontros. 

*A versão original deste texto foi publicada no Clarín.

Autor

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Cientista político y periodista. Editor jefe de la sección Opinión de Clarín. Prof. de la Univ. Nac. de Tres de Febrero, la Univ. Argentina de la Empresa (UADE) y FLACSO-Argentina. Autor de "Detrás de Perón" (2013) y "Braden o Perón. La historia oculta" (2011).

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