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Lasso e as patologias da democracia equatoriana

O maior desafio do presidente Lasso após seus primeiros 100 dias no poder é escapar da tendência fatal de desgaste político que todo governo experimenta quando ingressa no momento crucial de concretização de suas perspectivas e projeções programáticas. É nesse momento que os condicionantes institucionais, que no caso equatoriano resultam do próprio desenho constitucional de Montecristi – Constituição de 2008 promovida por Rafael Correa – trabalham para debilitar ainda mais seu espaço de governabilidade.

O governo do presidente Lasso começou em uma posição de debilidade, ao contar com uma representação parlamentar minoritária (12 dos 137 membros da assembleia) com uma votação de primeiro turno que mal ultrapassou os 20%. A aliança com seu parceiro natural de centro-direita, o Partido Social Cristiano, que contava com 18 membros da assembleia, naufragou já no início do período parlamentar.

Por outro lado, a tentativa de formar uma aliança com setores da esquerda e centro-esquerda – Izquierda Democrática, com 18 membros da assembleia, e Pachakútik, uma expressão política da CONAIE, com 24 – gerou expectativas sobre a possibilidade de escapar da polarização e consolidar uma terceira via, onde a sustentabilidade ambiental e a equidade social seriam os eixos do programa político. Um programa desafiador que exigiu grande responsabilidade e maturidade por parte dos atores políticos.

Se as relações entre executivos e parlamentos são complexas em princípio, porque expressam uma oposição “natural” entre diferentes lógicas (as de representação e as de gestão), no caso equatoriano elas tendem a se manifestar como uma contradição polarizadora. O que é uma oposição natural de programas e de posturas políticas torna-se em enfrentamento interno entre as instituições do sistema político.

O sistema não conseguiu, ainda com todas suas reformas e mudanças, conectar a pluralidade de representação com a univocidade necessária que requer a tomada de decisões e a gestão governamental. A constituição de Montecristi projeta uma estrutura institucional que fortalece e amplia esta configuração esquizoide, gerando patologias que atentam contra a mesma vigência do regime democrático.

A camuflagem a que recorre o hiperpresidencialismo é a ampliação da representação: o sistema abre excessivamente as portas de entrada à participação política, gerando o surgimento da democracia. Na atualidade, 269 organizações políticas constam no registro eleitoral; os requisitos de acesso são laxistas, o que gera alta dispersão e fragmentação, e não incentiva a geração de consensos. Esta fragmentação é exacerbada quando a eleição dos representantes ocorre, já que o sistema eleitoral de dois turnos permite a expressão mediante o voto desta pluralidade de forças no primeiro turno eleitoral, o que termina por definir uma composição da assembleia enormemente fragmentada e dispersa.

O presidente eleito no segundo turno deve enfrentar uma assembleia na qual é difícil para ele construir um apoio consistente. Os governos, órfãos de apoio nas legislaturas, são forçados a governar fora desses possíveis acordos. O uso de “decretos-lei”, a declaração de “estados de emergência” ou o uso de mecanismos de democracia direta, tais como consultas populares, tornam-se procedimentos rotineiros de gestão, quando deveriam ser recursos extraordinários.

O hiperpresidencialismo é reforçado em um sistema que aparentemente é participativo e representativo, mas que quando se prepara para governar, demonstra sua grande debilidade, impossibilitando chegar a acordos que projetam visões estratégicas.

No caso do governo Lasso, o programa de reativação econômica inclui reformas dos regimes trabalhistas e tributários com o objetivo de reduzir o desemprego e aumentar a receita mediante impostos progressivos. Diante da impossibilidade de avançar por essa via, o governo só pode manobrar nos âmbitos onde tem controle, o que enfraquece o alcance de seu programa, que se limita a fechar a brecha fiscal, diminuir os gastos públicos com disciplina macroeconômica e aumentar as receitas através da promoção de atividades de mineração e petróleo.

A orientação do programa para a necessária mudança de modelo em direção a uma economia social e ambientalmente sustentável, que foi expressa no acordo inicial entre as forças governamentais (CREO) e seus possíveis aliados (ID-PK), foi prejudicada desde o início por desacordos entre Pachakutik e CONAIE, seu apoio movimentista. Este último retomou sua postura maximalista, isolando o ator que construiu a possível terceira linha dentro do movimento, Yaku Pérez, que se viu excluído e acabou deixando a própria organização que ele havia catapultado como a terceira força eleitoral.

Essas dificuldades acabam afetando a temporalidade dos processos governamentais. As urgências de curto prazo predominam sobre as reformas substantivas que poderiam respaldar a sustentabilidade da economia e do desenvolvimento e definir visões estratégicas consistentes com as complexidades globais atuais. As intenções reformistas, portanto, tendem a ceder lugar ao realismo dos dossiês de uma economia extrativista e de exportação primária.

Por outro lado, a falta de acordos políticos leva o governo a favorecer políticas que poderiam enfrentar grande resistência social: o ajuste e a promoção da mineração e do petróleo.

Tudo isso revela que, assim como existe um déficit público, existe também um colossal déficit político, encorajado pelo próprio projeto constitucional. O país não tem atores consistentes que possam tirá-lo da situação de crise em que se encontra.

Nessas circunstâncias, o agravamento dos conflitos sociais e políticos pode ser iminente. O capital político da Lasso, fortalecido pelo sucesso da campanha de vacinação, pode não ser suficiente neste cenário. O anúncio de superar as dificuldades na construção da agenda legislativa através de uma consulta popular parece abrir um cenário de prognóstico difícil. Será que os atores das diferentes tendências terão a lucidez necessária para mudar seu comportamento em uma situação em que todos nós podemos perder? O país será capaz de retomar a possibilidade de redirecionar as linhas de governança para a sustentabilidade ambiental e social do desenvolvimento?

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de samuraijuan em Foter

Autor

Sociólogo. Ha ejercido la docencia en diferentes universidades de Ecuador y es autor de varios libros. Doctor en Sociología por la Università degli Studi di Trento (Italia). Especializado en análisis político e institucional, sociología de la cultura y urbanismo.

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