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Mulheres, direitos políticos e desigualdades. Onde estamos na América Latina?

Na América Latina, ainda há um longo caminho para alcançar a sonhada paridade, mas as mulheres ainda estão lutando; seguimos liderando, marchando, manifestando, participando, conversando, concordando e insistindo que os espaços políticos são espaços para as mulheres.

Embora existam várias versões sobre os acontecimentos que levaram 8 de março a ser declarado como Dia Internacional da Mulher – ou “das mulheres”, no plural, levando em conta a polifonia de vozes e suas múltiplas identidades –, existe a certeza de que esses fatos têm relação com as lutas pelo exercício de seus direitos e sua participação nos espaços públicos.

Um enfoque nos direitos políticos das mulheres na América Latina mostra que muita tinta correu e houveram importantes mudanças normativas desde 1927, quando votaram pela primeira vez, em um plebiscito organizado pela comunidade de Cerro Chato, no Uruguai. Mas foi o Equador o primeiro país da região que consagrou constitucionalmente o direito ao sufrágio das mulheres, em 1929, e o Paraguai o último a fazê-lo, em 1961.

Como em outras partes do mundo, as mulheres latino-americanas perceberam que votar para eleger quem governaria não significava que a porta estava aberta para que elas fossem eleitas em disputas eleitorais. Tratava-se de uma votação sem representação.

Ao contrário do que se supunha (e ainda se supõe), a baixa participação das mulheres nas eleições não se devia a uma falta de interesse ou a uma “suposta natureza feminina” alheia a esses temas, como apontou Rousseau no século XVIII. Tratava-se simplesmente do choque entre aquelas que pretendiam fazê-lo e o muro intransponível vinculado aos papéis tradicionais de gênero.

Tiveram de enfrentar barreiras e obstáculos devido à divisão sexual do trabalho e à atribuição diferenciada de papéis entre homens e mulheres, que reservava a estas os trabalhos de cuidado e as tarefas domésticas, prendendo-as a seus papéis de mães, cuidadoras e julgando-as duramente por quererem ocupar espaços que não consideravam próprios de seu sexo/gênero.

O papel das mulheres como cuidadoras persistiu ao longo do tempo, o que teve um impacto desproporcional nas possibilidades de desenvolver seus projetos de vida, incluindo a participação em espaços políticos. De acordo com a Oxfam, em seu relatório Time for Care. Care work and the global inequality crisis, o valor econômico do trabalho de cuidado não remunerado realizado por mulheres maiores de 15 anos no mundo é de aproximadamente US$10,8 trilhões por ano, o triplo do tamanho da indústria de tecnologia a nível mundial. Isso mostra a importância desse tema, que hoje é chave para as agendas feministas, como foi refletido na XV Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe e na vigência do lema “o pessoal é político”.

Mas, sem dúvida alguma, a maior dificuldade para as mulheres que queriam participar dos espaços políticos vinha dos partidos políticos, nos quais os homens, em suas posições hegemônicas dominantes, não estavam dispostos a ceder um poder que consideravam seu. Essa dificuldade persiste. Na atualidade, a resistência dos partidos políticos e os obstáculos que alguns líderes homens colocam no caminho de suas companheiras de militância segue sendo o principal problema para aumentar a presença delas nos espaços políticos/eleitorais.

Na última década do século XX, as mulheres viram uma brecha para aumentar sua presença nos espaços políticos mediante mecanismo de ação afirmativa chamado de cotas de gênero. Foi em 1991, na Argentina, que adotou-se pela primeira vez a Lei de Cotas, que estabelecia a obrigação de incluir 30% de mulheres nas listas eleitorais. Nas décadas seguintes, essa foi a estratégia seguida pela maioria dos países da região para o avanço dos direitos políticos das mulheres, salvo Guatemala, que não adotou nenhuma medida sobre o tema (nem cotas nem paridade).

Os resultados das cotas de gênero nos países latino-americanos têm sido díspares. Os casos mais exitosos foram aqueles em que essas medidas de ação afirmativa foram acompanhadas por sistemas de representação proporcional, listas fechadas, mandatos de cargos que obrigam os partidos políticos a incluir mulheres em cargos de liderança e sanções em caso de descumprimento da lei que regulamenta as cotas.

É inegável que as cotas permitiram o aumento da presença de mulheres nos órgãos de representação popular, uma representação descritiva vinculada a um critério numérico, mas também incidiram na representação simbólica; as meninas e as jovens tiveram referências e modelos a seguir, e a política deixou de ser vista como um espaço fechado para elas devido a seu sexo/gênero.

No entanto, como Nancy Fraser ressalta, essas medidas não afetam os acordos sociais ou o pacto patriarcal no qual as instituições se baseiam; só buscam incorporar os excluídos sem alterar as estruturas. Mas é necessário corrigir o marco de desigualdades que sustenta a exclusão e buscar a paridade.

Em 2007, na X Conferência Regional sobre a Mulher de América Latina e Caribe, conhecida como Consenso de Quito pelo local onde foi realizada, os governos latino-americanos que participaram desse fórum regional se comprometeram a adotar diferentes tipos de medidas para garantir a participação política e a representação das mulheres em cargos públicos em todos os níveis, a fim de alcançar a paridade desejada.

Até o momento, nove países da região têm leis de cotas de gênero e nove promulgaram a paridade através de reformas constitucionais, reformas legais ou novas leis que consagram a paridade. Não há dúvida de que é preciso mais; a mudança normativa é importante, mas não é suficiente.

Falar de paridade vai além da premissa de que, se as mulheres representam metade da população mundial, devem ocupar metade dos cargos políticos. Não é simplesmente uma questão de números; implica uma profunda transformação das estruturas políticas, sociais, institucionais, etc., um novo pacto social baseado no reconhecimento da igualdade de condições e oportunidades, dos direitos das pessoas. Isso implica que as diferenças sexuais, raciais e de gênero, entre outras, não se transformem em desigualdades na participação política e, em geral, na participação em todas as áreas da vida social.

Na América Latina, em 2024, ainda há um longo caminho para alcançar a sonhada paridade, mas as mulheres ainda estão lutando; seguimos liderando, marchando, manifestando, participando, conversando, concordando, aprendendo e desaprendendo, insistindo que os espaços políticos/públicos/eleitorais são espaços para as mulheres.

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Politóloga y abogada. Profesora de la Univ. Central de Venezuela e investigadora de la Univ. Simón Bolívar (Colombia). Responsable de la línea Género, Liderazgo y Participación de la Red HILA. Miembro de la Red de Politólogas.

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