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Os limites do poder

Um dos avanços mais transcendentais no desenvolvimento da humanidade tem a ver com a limitação do uso do poder. Ungido durante séculos por um carácter mágico que justificava a sua prática, quer pelo uso irrestrito da força, quer por cosmovisões religiosas, astrais ou simplesmente com baseadas em relatos fantásticos, foi sendo mantido também no seio de estreitos círculos consanguíneos ou de grupos sociais específicos configurados por padrões raciais, pela posse da terra ou pelo exercício de uma arte específica em tarefas tão diversas como a caça, a agricultura ou o comércio.

A evolução da espécie humana estabeleceu costumes que acabaram por se traduzir em normas que foram regulando progressivamente o exercício do poder. Cada grupo social teve as suas próprias experiências nos vales férteis da Mesopotâmia, do Nilo ou do Indo, bem como, mais tarde, nas alturas de Machu Picchu ou nas selvas mesoamericanas. Não houve uma única comunidade humana que não tenha deixado de se confrontar com o significado do poder e a sua justificação.

O Iluminismo e a denominada Revolução Liberal, tão intimamente vinculada a ele, embora tenha tido o seu epicentro na Europa Ocidental, não deixou de afetar, em suas hipóteses e em suas consequências, o resto do mundo e, notadamente, as Américas. As consequências tiveram efeitos imediatos em pelo menos três questões relacionadas com a política: a construção, definição e desenvolvimento dos Estados-Nação; o império da lei; e a ideia de que todo o poder emana do povo. O poder, por conseguinte, ficava restringido a um espaço, sujeito a normas que contrabalançavam o seu exercício e requeria o aval do povo.

Na América Latina, apesar da enorme heterogeneidade dos seus países, o constitucionalismo liberal, amplamente instalado há dois séculos, tratou a questão da organização do poder com base nos pressupostos teóricos do presidencialismo. Se nas primeiras décadas a preeminência dos caudilhos teve de ser confrontada, pouco a pouco foi-se aceitando que a ideia da não reeleição deveria ser preponderante. A Revolução Mexicana, ocorrida em 1910 sob este pressuposto, foi um notável exemplo.

Este assunto não está encerrado e reaparece sempre que se pretende impor projetos hegemônicos. A quantidade de exemplos a esse respeito são numerosas. Basta recordar a relação desconfortável que Juan Domingo Perón teve com o princípio da não reeleição, e mais tarde Alberto Fujimori, Carlos S. Menem, Hugo Chávez e Álvaro Uribe. Por outro lado, regimes claramente ditatoriais como os dos Somozas na Nicarágua, Alfredo Stroessner no Paraguai e Rafael L. Trujillo na República Dominicana violaram a não-reeleição.

O outro controle do poder estava localizado em seu cerne, sob a dupla ideia de divisão e equilíbrio. Os regimes políticos com três poderes clássicos definiram arranjos institucionais que, em teoria, estipulavam que nenhum poder estaria acima do outro e que, em sua vida cotidiana, eles deveriam exercer um jogo de freios e contrapesos. Esse cenário abriu uma série de conflitos nos quais o conceito de governança passou a definir o estado das coisas. Para se ter uma ideia do impacto na vida real, nas últimas quatro décadas na América Latina houve cerca de trinta interrupções presidenciais, oito das quais envolveram impeachment do presidente pelo Congresso, seis devido a renúncias presidenciais seguidas de eleições antecipadas e duas devido à declaração parlamentar de incapacidade presidencial. Por sua vez, três Congressos foram dissolvidos por decisão presidencial.

Na atualidade e no calendário eleitoral imediato, há três casos preocupantes na América Latina em que a restrição de poder está em questão por motivos de estrita aplicação de sua limitação temporal.

Em 2024, na Venezuela, Nicolás Maduro voltará a concorrer à presidência pela terceira vez consecutiva, graças a um marco regulatório permissivo, mas no qual o árbitro da disputa, o Conselho Nacional Eleitoral, desempenhará um papel parcial, já que todos os seus membros serão substituídos, embora a esposa de Maduro, Cilia Flores, tenha um papel muito proeminente na formação do novo.

Por outro lado, e também em 2024, Nayib Bukele continua seu caminho rumo à reeleição presidencial em El Salvador, contornando o impedimento constitucional existente a esse respeito e seguindo o modelo espúrio de interpretação constitucional de seu vizinho, Daniel Ortega.

Por fim, Dina Boluarte acaba de proclamar em uma coletiva de imprensa que a possibilidade de antecipar as eleições presidenciais do Peru foi encerrada e que ela continuará trabalhando até julho de 2026. Embora seja verdade que esse é o fim do mandato para o qual ela foi eleita, juntamente com Pedro Castillo em 2021, não é menos verdade que, quando assumiu o cargo após a queda deste em dezembro passado, ela declarou que convocaria eleições dentro de seis meses. Hoje, ela se mantém no poder com um índice de aprovação de apenas 15% para seu governo e sem uma bancada que a apoie no Congresso, contando com uma maioria circunstancial que pode se desfazer rapidamente.

Estabelecer limites temporais para o exercício da autoridade é um ponto que está ligado à qualidade democrática de um sistema político. Trata-se de um assunto normativo, mas também vinculado às convicções democráticas dos que estão no poder. Por outro lado, é uma medida que retira da arena política os impulsos personalistas que contribuem para a patrimonialização do poder, para a desinstitucionalização e, em suma, para a inclinação ao abuso que alimenta a corrupção.

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Profesor Emérito de la Universidad de Salamanca y de la UPB (Medellín). Últimos libros publicados (2020): “El oficio de político” (2ª ed., Tecnos, Madrid) y coordinado con Mercedes García Montero y Asbel Bohigues (2024): “Elecciones en América Latina: de pandemia y de derrotas (2020-2023)”, (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid)

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